Release: praga infernal ou ferramenta superútil?

Uma pessoa muito próxima de mim escreveu, recentemente, o press release de uma (muito boa, aliás) banda de rock com a qual já havia trabalhado num passado não muito distante. 

 

Qual não foi a nossa surpresa quando, semanas depois, demos de cara com o press release – não todo, é claro, mas quase todo – nas páginas de um grande veículo da imprensa, com a assinatura de outra pessoa, ocupando um lugar que, deduzimos, deveria ser o da crítica do CD. O que mais chamava a atenção não era tanto o fato do release ter sido usado – afinal, isto apenas indicava que a informação nele contida havia sido útil. A questão era que praticamente todas as conclusões, deduções, comparações, raciocínios, ou seja todo o balizamente estético proposto pelo meu amigo no release como ponto de vista dele ao trabalho da banda tivesse sido alegremente encampado pelo ?crítico?, que nele apôs sua assinatura. 

 

Isto, em idos tempos, era o que se chamaria, em bom português, um escândalo. 

 

O que seria, agora? 

 

O release, em si, não é nem bom nem mau. Deveria ser um simples instrumento de comunicação, mais um dos materiais disponíveis para a alimentação do bom fluxo de idéias e pautas numa redação, especialmente nos setores de arte e entretenimento. Mas, de todas as ferramentas disponíveis a quem cobre cultura ele é, sem dúvida alguma, o mais perigoso, por ser o mais tentador. Atire a primeira pedra quem, a quinze minutos do fechamento não viu uma ?pauta recomendada? aterrissar sobre sua mesa, tendo como único subsídio o tal do press release – e dele não tomou emprestado o máximo possível para não dar vexame dentro das exíguas circunstâncias. Eu certamente é que não aprumo a atiradeira. 

 

Não é disso que estou falando. Estou falando da prática, cada vez mais comum, de tornar o release não o subsídio mas o substituto da matéria – especialmente da matéria opinativa, da matéria que deveria conter algum tipo de reflexão sobre o material proposto. 

 

É claro que sabemos a causa deste triste fenômeno – as redações magérrimas, a sobrecarga, os prazos cada vez mais apertados. Num quadro desses, a bem da verdade, análise da produção cultural, raciocínio sobre tendências e propostas, a crítica, enfim, não seria honestamente possível. E, portanto, deveria ser abolida. Mas como não é, e a natureza odeia um vácuo, em seu lugar temos o release-como-comentário. 

 

Deixo a vocês as conclusões sobre o papel desta prática no aviltamento da nossa profissão e no insulto à inteligência de nossos leitores. 

 

O outro lado da moeda, é claro, é o jornalsta que faz releases. Conheci uma vez um rapaz muito animado e passional que se gabava de ?jamais ter escrito um release? e ?jamais ter trabalhado ou querer vir a trabalhar? com alguém que o tivesse feito. Minha conclusão imediata foi de que ele deveria ser ou muito solitário ou muito medíocre. 

 

O jornalista de cultura bem formado, bem informado, bem relacionado e apaixonado pelo que cobre é um recurso inestimável para a própria produção cultural. Seu envolvimento no endosso deste ou daquele produto é, neste contexto, inevitável. O que ele não pode, não deve fazer é manter as duas frentes abertas – se ele fez o release de um livro, disco, peça, se ele está envolvido criativamente com o assunto que cobre, ele tem como obrigação moral e profissional se eximir da cobertura do que endossou ou ajudou a criar. É um modo simples e elegante de manter vivo um diálogo no qual todos só tem a ganhar. 

 

Parece claro, não é? E no entanto?. Houve uma vez uma revista de música em que os nomes de quem escrevia as matérias eram praticamente os mesmos dos que apareciam nas matérias como temas de pautas. Uma ciranda parecida pode ser notada, a médio prazo, na maioria dos suplementos literários (e o do New York Times é o mais notório deles): faça uma lista dos autores de livros e outra dos autores dos artigos. Garanto que em pouco tempo voce não vai conseguir distinguir uma da outra… 

 


FONTE: Comuniquese

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