Assessor de imprensa e jornalismo (I)

Há no meio da comunicação corporativa uma discussão, ainda muito longe de ser equacionada, sobre a atividade jornalística desenvolvida pelos assessores de imprensa. Mais especificamente, a questão que se coloca é se assessoria de imprensa é efetivamente uma atividade jornalística, se os assessores de imprensa fazem efetivamente um trabalho jornalístico.



Fora do Brasil, em vários países, essa atividade não é considerada jornalística e os profissionais que migram das redações para essa área são até obrigados a desligar-se do sindicato de jornalistas. É um entendimento que no Brasil não é aceito pela larga maioria dos profissionais, para os quais assessor de imprensa é, sim,  jornalista e que a sua atividade é essencialmente jornalística. Estive no meio corporativo dessa discussão por mais de uma década e acompanhei de perto as várias discussões realizadas nos encontros sindicais do segmento, a luta para mudar a regulamentação profissional dos jornalistas nela incluindo a atividade da assessoria de imprensa (iniciativa que não obteve sucesso) e sou testemunha de como esse é um assunto difícil e delicado.



A questão começou a ser colocada com maior densidade no momento em que se formou um ciclo de migração de profissionais da imprensa para as assessorias, dando a essa atividade um perfil muito diferente daquele que até então predominava, e que era totalmente dominado pela ausência de transparência. Uma herança, digamos assim, da ditadura militar. Com a chegada de profissionais talentosos e reconhecidos pelo mercado, a assessoria de imprensa e a comunicação corporativa se revitalizaram e nunca mais pararam de crescer.



Depois de anos acompanhando de perto toda essa movimentação, a evolução do mercado, os debates, as reflexões e pensamentos de muitos colegas, tenho minha própria definição sobre o assunto, um veridicto muito pessoal e que, portanto, como tal deve ser entendido. Penso o seguinte: o jornalista que está a serviço de uma empresa ou instituição não jornalística, continua sendo jornalista, mas não está efetivamente exercendo o jornalismo. Ele está exercendo uma atividade de comunicação, utilizando-se, para isso, das ferramentas do jornalismo. Ou seja, continua manuseando e hierarquizando informações, continua escrevendo e divulgando, continua apurando notícias, continua fazendo pautas etc., mas a serviço de um determinado interesse, e não a serviço do interesse público, como é, na essência, o jornalismo. Por conseguinte, não se trata de uma atividade jornalística.



Sei que essa afirmação, tal como foi colocada, é simplista e pode gerar uma enxurrada de comentários e críticas abaixo, muitos deles dirigidos à senhora minha mãe, coitada, que já há mais de dois anos viajou antes do combinado para outras paragens (e de lá, certamente me ilumina), mas nem por isso a questão deve deixar de ser colocada e debatida. E esse é um bom fórum.



Quem está em assessoria vive essa eterna crise de identidade, sabedor, ainda que inconscientemente, de que ao passar para o outro lado do balcão passa a ter uma outra identidade profissional, com vários pontos em comum com o jornalismo, é certo, que parece jornalismo, mas que não é jornalismo.



O desafio é fazer essa reflexão sem a paixão do corporativismo, da defesa da reserva de mercado de trabalho, deixando de lado os interesses próprios e particulares. É tentar enxergar a questão à luz da razão e da lógica.



Por muitos anos também eu busquei me armar de todos os argumentos possíveis para defender essa posição e a defendi com veemência, sempre com base em argumentos corporativos, fracionados e com uma visão apenas parcial de todo o universo. Ou seja, olhava as árvores, sem ter uma visão da floresta.



Ao olhar a floresta, ao levar em consideração o interesse público, ao buscar o que é efetivamente o papel da imprensa, certamente os argumentos corporativos passam a ser apenas argumentos corporativos e técnicos, e nada mais.



Falo isso com muita tranquilidade e com toda a serenidade do mundo porque estive e estou ligado até à alma à causa da comunicação corporativa e da assessoria de imprensa, seja atuando diretamente como assessor por mais de 15 anos, comandando uma Comissão de Assessores de Imprensa no Sindicato dos Jornalistas de SP, realizando congressos e seminários de comunicação corporativa etc. E dou o meu testemunho de que não há, no mercado, profissional melhor preparado para assumir essa atividade do que jornalistas, de preferência aqueles forjados na lida das redações.



O mercado de trabalho é hoje praticamente dividido, meio a meio, entre colegas que atuam nas redações e os que estão atuando em agências de comunicação ou na comunicação de organizações públicas e privadas. Não é pouca gente, como se vê. E cada vez mais há a necessidade, em relação aos colegas da área corporativa, de incorporar conhecimentos e técnicas de outras atividades como marketing, relações públicas, administração, economia etc., não para escrever (como seria numa redação), mas sim para orientar de forma eficaz as ações de comunicação.



Temos aí mais uma evidência de que quem migra das redações para a comunicação corporativa assume funções muito além das jornalísticas.



A discussão é longa, extensa e quem sabe extenuante. Mas é preciso avançar. Quem sabe se o assunto ganhar, em algum momento, o interesse das universidades e das entidades e instituições ligadas à comunicação e ao jornalismo, e mesmo da categoria, em seus encontros, simpósios e congressos, poderemos ter mais massa crítica e consistência nessas definições.



É o que eu desejo e espero.
FONTE: Comuniquese

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