Dói no coração acompanhar as vicissitudes pelas quais passa a Gazeta Mercantil. É um jornal de importância histórica na imprensa brasileira.
O projeto que nasceu em 1974, nas mãos de Roberto Müller Filho, cresceu junto e quase foi um porta-voz da afirmação do capitalismo no Brasil, daquela época para cá. Um porta-voz tanto no aspecto econômico quanto no político, pois suas iniciativas a favor da democracia tiveram grande peso e influência no processo de abertura do regime brasileiro.
Nas suas páginas, consolidou-se um modelo de cobertura empresarial, de negócios, que já estava sendo ensaiado em outras publicações e ampliava os horizontes de uma cobertura que centrava-se demais na macroeconomia. Os manifestos de empresários pró-abertura, que ali foram gestados, tiveram importância fundamental nos desdobramentos políticos dos anos seguintes.
O Fórum de Líderes, que hoje navega com tranqüilidade na proposição de iniciativas sociais para o país, enfrentou, nos idos dos anos 70, os arreganhos e as resistências do regime militar.
Vou escrever uma platitude, porém inescapável: na redação da Gazeta Mercantil formou-se, ou passou, uma geração de jornalistas que dá o tom da cobertura da economia e da vida empresarial brasileiras até hoje ? até no seu concorrente o Valor Econômico. Claro, há estrelas que transitaram em outras constelações e hoje brilham também.
Nos anos 70, ainda era tabu escrever livre e criticamente sobre a vida de uma empresa. Seguia-se rigorosamente, na Gazeta Mercantil, a regra de ouvir todos os lados, para que nenhuma matéria fosse acusada de parcialidade. Eu e S. Stéfani, então repórter especializado na indústria automobilística (o que é até hoje, comandando uma poderosa news letter sobre o setor) escrevemos uma matéria, sobre um revendedor que se suicidou na sala da diretoria de uma grande montadora, em que o número de linhas dedicadas à cada parte era exatamente igual.
Ainda na época do regime militar, a Gazeta Mercantil produzia na TV Bandeirantes, o Crítica & Autocrítica, um programa, por muitos considerado pesado e excessivamente formalista, que debatia, nas noites de domingo, temas políticos e econômicos candentes e , ainda, semi-proibidos.
Comentar o programa era um hábito nacional entre os formadores de opinião nas manhãs de segunda-feira. Nas reuniões de pauta da ISTOÉ, onde estive de 77 a 83, era assunto inevitável.
Jornais são empresas e é nesta segunda dimensão ? que suporta e dá existência à outra, a editorial ? que se situam os problemas crônicos da Gazeta Mercantil. Sempre haverá quem pergunte porque ela não tem o vigor de um Wall Street Journal ou de um Financial Times, modelos em que orgulhosamente se inspira.
A resposta pode começar pelo irremediável fato de que o Brasil não é os Estados Unidos e a Inglaterra e nossa economia se distancia das deles como a Terra do Sol.
O Wall Street circula mais de 1 milhão de exemplares, competindo de igual para igual com os demais jornais americanos, e é uma forte alternativa de veiculação de publicidade, especialmente para bens sofisticados.
A Gazeta Mercantil sonhou em fazer trajetória semelhante no Brasil, mas ainda depende demais da publicidade legal, apesar de todas as tentativas de ampliar seu leque publicitário. Sua tiragem é acanhada, se comparada à dos grandes jornais brasileiros. E creio que essa limitação não é provocada por estratégias comerciais erradas. Tem, isto sim, fortes raízes nas estreitezas do capitalismo tupiniquim.
Certamente haverá outras explicações mais específicas e particulares para as vicissitudes da Gazeta Mercantil, mas estas fogem ao domínio público. O que importa, de todo modo, é que o jornal reencontre o caminho da estabilidade financeira e nova legislação que regula a propriedade das empresas de comunicação é uma trilha para isso.
Ex-jornalistas da casa, leitores, a sociedade como um todo, se sentirão reconfortados quando isso acontecer.
FONTE: Publicado originalmente na revista Imprensa