“Aprendizes só aprendem o que faz sentido para eles”


Eis a primeira regra do aprendizado e um alerta para as empresas, de acordo com o autor do best seller A Quinta Disciplina.


Aqui, o americano Peter Senge responde às perguntas


 


“As escolas de negócios são, de modo geral, verdadeiros desastres.” É assim que Peter Senge, há décadas professor da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT), qualificada o atual sistema de ensino mundial. Para ele, o sistema ignora as especificidades do negócios não permite que surjão inovações e desconsidera as demandas locais por mudanças . Autor de A Quinta Disciplina – obra que já vendeu mais de 1 milhão de exemplares no mundo (60 mil no Brasil) e foi considerada pela Havard Business Review um dos mais importantes livros de gestão nos últimos 80 anos – Senge, estava de malas prontas para vir ao Brasil para o congresso da Associação Brasileira de Recursos Humanos, no Rio de Janeiro, quando respondeu às perguntas dos leitores de Época negócios.


Provocador, mandou um recado para os RHs das empresas. “Comecem a valorizar talentos nas organizações, sem medo”. Um dos criadores do programa Elias, de formação de lidenranças inovadoras entre sistemas e epaíses que teve em sua primeira turma cinco brasileiros, Senge acredita que os líderes ideais são aqueles que têm paixão pelo que fazem e querem colabvorar para as mudanças sistêmicas. Ele acaba de lançar nos Estados Uniodos The necessary Revolution (“A Revolução Necessária”, numa tradução livre), no qual detalha exemplos de empresas que já acordaram para a sustentabilidade e têm boas práticas a ser demosntradas, como BP, Nike e Coca-Cola. Acompanhe algumas das idéias do pensador que define aprendiz como “o indivíduo que, por natureza, aprende um pouco a cada dia”.




 


1 Será possível aplicar o conceito de aprendizagem em empresas “mais tradicionais”, como escritórios de advocacia? Marcos de Campos Ludwig / Rio de Janeiro, RJ


 


Sim. A aprendizagem organizacional pode existir em todos os tipos e tamanhos de organizações, pois são as pessoas que aprendem. As empresas, mesmo as tradicionais, podem abrir espaço para o aprendizado contínuo. Batas querer. Isso demanda, porém, a compreensão de que os indivíduos contribuem para um aprendizado coletivo que passa a ser o capital da organização.


 


2 Como fazer com que profissionais de todos os níveis da organização se comprometam com a aprendizagem?  Sérgio Borges / São José dos Campos, SP


 


Primeiro defina o que é aprendizagem para esta organização.  Ninguém se compromete com o que não conhece. Muitas organizações nem tem sua visão definida e querem ter colaboradores comprometidos. Com o quê? A primeira regra do aprendizado é: aprendizes aprendem o que querem aprender, o que faz sentido no dia-a-dia de trabalho. As crianças aprendem a andar de bicicleta porque querem aquele lazer.


Essa lógica vale pra todo mundo do trabalho. A aprendizagem só faz sentido se tiver significado para os aprendizes. E mais: a comunidade, o ambiente onde esse aprendizado será proposto é fundamental. Percebo, em algumas empresas, ambientes até contrários à aprendizagem.


 


3 Quais são as melhores ferramentas para promover o aprendizado nos níveis  mais baixos da organização?  Matheus Stadler Góis / Cambé, Paraná


 


Não distingo as ferramentas de aprendizado desta forma. Elas são as mesmas para todos os níveis. Minha maior preocupação não é com a base e, sim, com os níveis mais altos das organizações, porque tenho visto que ali não há comprometimento em desenvolver uma nova visão, requerimento básico para a aprendizagem. Na maioria das vezes, os gestores e líderes não estão prontos para isso. É importante reconhecer que os aprendizes são indivíduos. Cada um aprende à sua maneira, no seu ritmo. Conscientes disso, as organizações conseguirão ter um grupo de colaboradores que aprenderão continuamente.


 


4 Como as corporações devem medir seu capital intelectual? Gelialdo Bobato / Imbituva, Paraná


 


O capital intelectual é intangível, mas existem dois aspectos que ajudam as corporações a calcular como ele está: o individual e o coletivo. Todas as organizações querem contratar e manter pessoas inteligentes, talentosas e apaixonadas pelo que fazem. Mas as empresas têm de ter em mente que possuir “capital intelectual” não é só responde melhor as perguntas no banco da universidade, é saber fazer aquilo de que você gosta e o que mais te toca. Assim você será realizado e poderá ajudar os que estão ao seu lado. Só assim transformará os processos, porque conseguirá ver como eles poderiam melhorar. Esse é o maior capital que as empresas podem ter. No aspecto coletivo, é como a organização cria um ambiente favorável para seus times serem colaborativas, como a organização permite que a inovação surja. A co-criação surge na sua organização? Pergunte aos talentos que você queria ter mantido em sua empresa o que os fez ir embora. É um bom indicador de caminhos para a melhoria.


“Ter capital intelectual é saber fazer o que você mais gosta e o que mais te toca” 


 


 


  


5 Métodos modernos de aprendizagem e treinamento são possíveis mesmo em organizações nas quais os executivos não têm um bom nível de autoconhecimento? Luiz Trivellato / São Paulo, SP


 


Organizações que aprendem e organizações que treinam não são as mesmas. Distinguir isso é muito importante. Um mínimo de treinamento é preciso para a parte técnica, pois o melhor aprendizado é o que ocorre em nossas vidas, no cotidiano do nosso trabalho, durante as reflexões sobre como agimos conosco e com os outros e sobre como poderíamos melhorar. Por serem superficiais, os treinamentos não são eficazes. As empresas não têm dado tempo para as pessoas refletirem.


 


6 Em seu livro Presença, você menciona o conceito de futuro emergente. Que outras forças afetam as organizações hoje? Oswaldo Santucci / São Paulo, SP


 


Todas as forças das quais as pessoas estão conscientes. Competição global, novas tecnologias, consumo insustentável, pressão por custos etc. A questão da energia é um bom exemplo. Só o fato de usarmos os recursos naturais mais rapidamente do que a Terra os poderá repor é uma pressão inadiável de ser encarada. A crescente diferença social – hoje há mais pessoas no mundo que vivem com menos de U$ 1 por dia do que todos os habitantes do mundo há 100 anos – também. Essas são as forças fundamentais que deveriam já afetar as organizações, mas eu não posso dizer que elas estejam conscientes disso. A Nike foi afetada, há anos, pela denúncia de trabalho infantil na Ásia e reagiu acima das expectativas. Entendeu que fazia parte de um sistema global muito mais amplo. Hoje é considerada umas das melhores corporações globais na oferta de boas condições de trabalho.


 


7 Você sugeriu certa vez que as pessoas devem aprender fazendo. Acha que esta é a melhor abordagem para a formação nos países em desenvolvimento, onde muitos trabalhadores têm um nível muito baixo de instrução? Graciosa Luza Wiggers / Cascavel, Paraná


 


Acredito que o método de aprender fazendo, quando falamos em negócios, é muito apropriada para os países em desenvolvimento. Aprender com a prática pode ser melhor que aprender na escola. Esse método é mais rápido para quem aprende, é mais econômico para os governos, que podem direcionar para outras áreas o investimento que fazem nas escolas de negócios, e ainda permite que profissionais mais experientes sejam valorizados por seu conhecimento. Há outro modelo, criado recentemente em países desenvolvidos, que também pode ser útil para países em desenvolvimento. Na Finlândia, por exemplo, foi criada a Team Academy, uma escola completamente sem professores. A França lançará este mês uma instituição semelhante. Nesses lugares, o curso começa com os estudantes abrindo uma empresa. Eles recebem consultoria e aconselhamento em cada etapa do processo. Assim, aprendem gestão gerindo. Isso para mim é fundamental. Como aprender a gerir uma empresa sentado numa sala, ouvindo professores que querem te convencer que não importa se sua organização tem clientes da classe A ou E, assim como importa se o seu negócio é de pequeno ou médio porte? O aprendizado prático nutre a idéia de empreendedorismo – que, já se sabe, é uma das saídas para a falta de empregos que o sistema atual gera.


 


8 Que conselhos você daria a uma organização que está interessada em ampliar a gestão do conhecimento? Como não confundir conhecimento com informação ou com tecnologia da informação? Elano Dantas Rodrigues / Fortaleza, Ceará


 


Tenho de confessar que odeio o termo gestão do conhecimento. Na SOL (Society of Organizational Learning), definimos conhecimento como a capacidade de realizar ações eficazes. É claro que o conhecimento pode ser enriquecido com a informação fornecida por algumas teorias, pois você amplia sua capacidade de realizar, mas conhecimento não é informação. Um livro contém informações. O que cada leitor fará com elas depende do conhecimento de cada um, ou seja, da capacidade que cada indivíduo tem de realizar ações eficazes. Portanto, não se gerencia conhecimento. Da mesma forma, é o conhecimento de cada um que o fará usar melhor ou pior a tecnologia disponível. Uma organização não pode ter a pretensão de gerir a capacidade das pessoas que a ela se dedicam. O que as organizações podem fazer é criar ambientes para que o conhecimento tenha cada vez mais espaço para se desenvolver.


 


9 Qual é a sua visão sobre o futuro das redes sociais, tão populares hoje em dia? Rafael Bacelar


 


São muito importantes. As redes sociais surgem das mais diferentes fontes e todas as organizações são redes sociais dos assuntos dos quais tratam. Há também um novo fenômeno de redes sociais compostas por ONGs ou por empresas com um forte caráter social. Não faz diferença se a rede surge de uma organização com ou sem fins lucrativos, o que importa é se a proposta é global o suficiente para que se tenha uma atmosfera de co-criação de soluções e de enfrentamento das pressões econômicas, sociais e ambientais.  As ONGs, por exemplo, já nascem sem recursos e se fortalecem umas com as outras. As empresas têm muito que aprender com esse processo.


  


“Imagino a organização ideal como uma empresa com verdadeira missão social”


  


10 Como será, na sua opinião, a organização “ideal” em 2015? Manoel Carlos Pereira / Garça, SP


 


A organização ideal que imagino teria uma verdadeira missão social. Existiria para lidar com as pressões do mundo, mas como um negócio. Os problemas que enfrentemos têm apenas um tipo de solução: a inovação. Temos de criar novos sistemas de energia, de transporte, produtos que possam ser reciclados e reutilizados para sempre. Temos que criar modelos de negócios que dêem às pessoas trabalhos mais significativos e não apenas empregos. Veja um exemplo. A Satyam é uma empresa com mais de 50 mil empregados, uma das líderes mundiais em tecnologia da informação, com vendas de U$$ 4 bilhões. A maioria de seus empregados está na índia. A Satyam estabeleceu a missão de empregar pessoas consideradas inaptas ao trabalho por não terem nem o sexto ano do ensino fundamental completo. Para a empresa, essas pessoas são inteligentes e, em seus lugarejos, podem ser excelentes trabalhadores e ajudar a promover o desenvolvimento local. Depois de empregá-las, a empresa as estimulará a criar seus próprios negócios. Trata-se de um modelo novo – e lucrativo – de negócio social.  As empresas que vão durar são as que têm um propósito. A Coca-cola, por exemplo, tem demonstrado esforço nesse sentido. Criou, com a organização ambientalista WWF, um projeto mundial para reduzir a utilização de água na produção, e tem trabalhado o tema em sua cadeia de fornecedores.


 


Fonte: Época Negócios – julho 2008


 


Colaboradores da revista Época Negócios – Julho 2008


 


Janine Saponara


Desde 1994 Janine trabalha com comunicação. Há 11 anos está à frente da própria agência, a Lead. Para esta edição, a jornalista mineira voltou ao tempo de repórter, como interlocutora de nossos leitores a Peter Senge, diretor da escola de negócios do MIT, na seção Dez Perguntas. Ficou eletrizada: “É esse entusiasmo que Senge diz para as empresas buscarem ao formar equipes”, diz Janine, ela própria aluna de Senge no MIT.


FONTE: Época Negócios

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