Administramos tão mal quanto comunicamos?

Henri Fayol, um dos precursores clássicos da área do conhecimento humano que hoje se chama Administração, já dizia em seu livro de 1916, Administração Industrial e Geral, que as funções do administrador eram planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar – a famosa `fórmula química` de Fayol, o POC3.



E dizia mais esse engenheiro de minas francês, CEO de uma grande companhia siderúrgica: que o planejar era a etapa mais importante de todas, além de ser a primeira. Caso contrário, corria-se o risco de ficar que nem Alice no País das Maravilhas, sem saber que caminho tomar porque não tinha a menor idéia para onde queria ir.



Peter Drucker – considerado o pai da moderna Administração e forte candidato ao título de avô da moderna Administração, já que, do alto de seus 93 anos de idade, continua, ainda, produtivo e esclarecedor – fez, em 1954, uma revisão do que Fayol havia escrito sobre o que era administrar, à luz de avanços obtidos no entendimento do comportamento dos seres humanos dentro das organizações trazidos pelo psicólogo Elton Mayo e as famosas experiências de Hawthorne,.



Drucker manteve o planejar em primeiro e o organizar em segundo lugar. Seguindo os ventos democráticos dos Estados Unidos, que tinham acabado de sair vitoriosos de uma segunda guerra mundial, substituiu o coordenar e o comandar, termos clássicos do meio militar – uma das fontes onde beberam os primeiros pensadores empresariais – pelo termo dirigir, que traz, no seu bojo, preocupações típicas dos sociólogos e psicólogos organizacionais: motivação, comunicação e liderança. Controlar continuou fechando a fila. Afinal, se não soubermos os resultados alcançados, como vamos avaliar o esforço feito e corrigir nossa rota?



A essa revisão dos clássicos feita por Drucker e outros pesquisadores do mundo dos negócios da década de 50, deu-se o nome de Teoria Neoclássica. De lá para cá, não houve mudanças na definição formal do que seja administrar. Hoje em dia, administrar continua sendo planejar, organizar, dirigir e controlar.

Se não há dúvidas sobre o que é administrar, sobram opiniões, polêmicas e artigos mais ou menos científicos, dependendo do momento e do veículo em que se dê a discussão, sobre o que administrar e como administrar.



A revista da escola de Administração de Harvard, a Harvard Business Review, publicou, em 1997, uma relação das principais idéias surgidas no campo da administração, desde que começou a ser editada, em 1922.



Mereceram destaque da HBR, uma das revistas acadêmicas mais respeitadas na área, apenas 9 idéias, 14 livros e 15 artigos nela publicados. Entre eles, o artigo The Managers Job (O Trabalho do Executivo), publicado em 1975, onde o professor e pesquisador canadense Henry Mintzberg resume sua tese de doutorado, além de outros estudos, que procuraram justamente comprovar, na prática, a definição teórica de que administrar é planejar, organizar, dirigir e controlar.



Segundo Mintzberg, cinco CEOs americanos observados por ele durante 25 dias gastaram 78 por cento do tempo que passaram na empresa em interações verbais. Isto é, ou estavam falando, ou estavam ouvindo. 93 por cento dessas interações foram de improviso.



E o tempo para planejar, organizar e dirigir? De acordo com outro estudo citado por Mintzberg e feito com 160 gerentes de nível médio ingleses, esse tempo não passou de meia hora a cada dois dias.

A ênfase na comunicação verbal traz muitos desdobramentos para nossa maneira de administrarmos.



Primeiro, toda informação verbal é armazenada, evidentemente, na cabeça das pessoas. Assim, como já salientava Mintzberg, as informações estratégicas da empresa talvez não estejam nos seus computadores e, sim, nos cérebros daqueles que a administram. É a informação falada ou ouvida – somada às experiências pessoais e profissionais, aos seus valores e ao meio em que se encontra o administrador – que vai compor, no seu cérebro, um `software de tomada de decisão` difícil de ser colocado no papel. Esse software é o nosso jeito absolutamente pessoal e intransferível de administrar, mesmo que o empowerment dos tempos administrativos atuais diga que se deva tentar delegá-lo.



Isso nos remete ao segundo ponto crítico na maneira de administrar, dada a ênfase na comunicação verbal, especialmente entre os brasileiros, que são expansivos, alegres e, portanto, falantes: se a informação valiosa para as empresas está na cabeça das suas pessoas, como fazer para repassá-las adiante? Primeiro, temos que entender como e porque a visão sistêmica predomina no mundo dos negócios de hoje.



A Teoria Geral dos Sistemas formulada pelo biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy encerrou o ciclo de vida do método filosófico cartesiano, que, durante três séculos, serviu de base para o processo de tomada de decisão do mundo ocidental. Composto de quatro etapas e apresentado no livro O Discurso do Método pelo filósofo e matemático francês René Descartes, ele recomendava: não aceite nada como verdadeiro até prova em contrário; divida um problema em tantas partes quanto forem possíveis para entendê-lo melhor; comece resolvendo-o pelas partes mais fáceis e continue em direção às mais difíceis; por último, veja se não esqueceu de nada importante.



Contrapondo-se ao reducionismo cartesiano, que recomendava reduzir qualquer problema às suas partes básicas, Bertalanffy afirma que cada fenômeno é parte de um todo maior. Ou seja, o desempenho de um sistema – seja uma pessoa, uma máquina ou uma empresa – depende de como ele se relaciona com o que está à sua volta. É o princípio do expansionismo.



Por esse princípio, não é analisando separadamente cada setor de uma empresa que vamos conseguir administrá-la melhor, mas, isto sim, entendendo como ela se relaciona com seus colaboradores, clientes, fornecedores, concorrentes, acionistas e sociedade em geral.



Todo sistema precisa se relacionar a outros para manter-se em funcionamento. Um sistema isolado do todo que o cerca está sujeito à entropia, uma lei emprestada da Física, que diz que todo sistema, quando isolado, tende a entrar em desintegração, indo decompor-se ou morrer.



Assim, uma pessoa – um tipo de sistema – só sobreviverá se for capaz de se relacionar com seu meio-ambiente para conseguir água, comida, afeto, reconhecimento social, etc. Uma máquina – outro tipo de sistema – só se manterá produtiva se receber uma manutenção adequada e trabalhar em conjunto num sistema maior que poderá ser a fábrica.



Também as empresas têm que se relacionar com o seu meio-ambiente para conseguirem aquilo que as manterá em funcionamento. E o que as empresas, atuando como sistemas abertos, buscam atrair do seu meio-ambiente? Basicamente, duas coisas: energia (das pessoas, das máquinas e suas tecnologias, e do capital) e informação.



Pronto, voltamos ao ponto onde estávamos antes de enveredarmos pela Teoria Geral dos Sistemas: como fazer para repassar adiante informações que são tão importantes para manter um sistema em funcionamento e evitar a entropia, ou seja, para manter uma empresa funcionando de maneira lucrativa? Desenvolvendo sua capacidade de comunicação.



Comunicar-se é ser capaz de repassar informações a outra pessoa. Mas não só. Além disso, essa pessoa para quem estamos enviando a informação terá que entendê-la exatamente da maneira como pretendemos que ela seja entendida. Caso não seja assim, diz-se que houve um ruído na comunicação. Uma interferência que deturpou a informação repassada.



Para diminuir as chances dos ruídos alterarem uma informação, valemo-nos de redundâncias, que são repetições da mesma informação, com o intuito de tornar maiores as chances de que ela seja bem compreendida. Se, por um lado, as redundâncias aumentam nossas chances de sermos compreendidos, por outro lado significam custos para a empresa, em termos de tempo, de utilização de recursos e de capital, já que temos que enviar a informação mais de uma vez para termos a certeza de que foi entendida.



A etapa do processo de comunicação que vai nos dizer se houve ou não comunicação – o entendimento da informação como pretendido – chama-se retroalimentação ou feedback.



Em plena era da comunicação farta, barata e virtual e da tecnologia da informação (TI) que torna a coleta, a guarda e a recuperação de dados algo cada vez mais fácil e rápido, tem-se a sensação de que nunca foi tão fácil para as empresas se comunicarem com seus públicos e receberem feedbacks que corrijam quaisquer desvios, fazendo-as passar longe de qualquer sintoma entrópico.



CRM (Customer Relationship Management), benchmarking, reengenharia, ERP (Enterprise Resource Planning) e outras ferramentas gerenciais do momento têm sido usadas por empresas dos mais variados tamanhos e dos mais variados setores na tentativa de terem acesso a melhores informações, seja para se comunicarem melhor com seus mercados, seja para construírem uma posição competitiva que as permita enfrentar melhor sua concorrência.



Pelos resultados obtidos até agora – a partir do feedback recebido pelos sistemas de controle das próprias empresas e por pesquisas divulgadas -, tem-se a sensação de que os investimentos feitos em tais ferramentas pouco ou quase nada têm adiantado. Setenta por cento dos investimentos em Customer Relationship Management, por exemplo, não têm surtido os resultados esperados.



Setores tidos como afinados com seus mercados têm sido alvo de constantes e numerosas queixas nos Procon de muitos estados brasileiros. É o caso das companhias telefônicas e dos bancos, estes últimos agora incluídos num ranking de reclamações do Banco Central, à disposição de qualquer cidadão que acesse o site do banco.



Recalls também têm sido comuns na indústria automobilística, outro setor que investe grandes somas de recursos em campanhas publicitárias na tentativa de se comunicar com seus potenciais clientes e garantir décimos de participação de mercado numa guerra encanzinada pela liderança. Entre outros, houve recalls para motocicletas, carrinhos de bebê e até biquínis.



Um teste feito ano passado por uma revista de negócios de âmbito nacional, mandando para as dez maiores empresas brasileiras e-mail de um suposto consumidor pedindo informações sobre seus produtos resultou em apenas uma resposta e, mesmo assim, duas semanas depois do correio eletrônico ter sido enviado. Por outro lado, todos os dias recebo pelo menos três e-mails de empresas situadas em outros estados, cujos canais de distribuição não chegam a Porto Alegre, tratando-me como se as conhecesse e oferecendo-me produtos dos quais não preciso ou pelos quais não tenho o mínimo interesse.



Parece que as empresas estão repassando uma quantidade enorme de informação sem valor algum para seus mercados, achando que, com isso, estão se comunicando. Os exemplos listados neste artigo e os resultados obtidos com muitas das ferramentas gerenciais do momento mostram que os resultados das pesquisas relatadas por Mintzberg continuam atuais, faltando aos administradores, ao que parece, exercerem as esperadas interações verbais constatadas pelo pesquisador, se não para falarem, pelo menos para ouvirem a opinião de seus clientes sobre seus produtos e serviços.



*Mestre em Marketing UFRGS, professor universitário e consultor de empresas


FONTE: Gazeta Mercantil ? Jornais Regionais/Sul

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