Eles são veteranos das redações, parceiros de velha data dos candidatos e circulam com desenvoltura por qualquer roda de jornalistas. Eles possuem o telefone celular dos mais poderosos formadores de opinião do país e conhecem os meandros da mídia como ninguém. Um deles, no ano que vem, vai desembarcar no coração do poder junto com seu chefe. Enfim, eles nunca foram tão requisitados como agora. Com vocês, sua excelência, o assessor de imprensa dos candidatos.
Kotsho, Muzzi, Peninha e Serpa. Esses quatro nomes podem não soar tão familiares aos nossos ouvidos como os dos marqueteiros Duda Mendonça, Nizan Guanaes ou Nelson Biondi. Mas, nas eleições com maior exposição de mídia da história do Brasil, eles, respectivamente, os assessores de imprensa de Lula, Serra, Garotinho e Ciro, são tão ou mais decisivos na vida de um candidato a presidente quanto seus badalados publicitários de plantão. Com a imprensa marcando em cima, uma frase mal colocada, um mal entendido verbal ou uma declaração infeliz podem ter conseqüências devastadoras na campanha. É aí que os jornalistas dos presidenciáveis entram em cena. Como em um jogo de tênis em dupla, em que um vai para o ataque enquanto o outro garante a retaguarda, os assessores de imprensa são a sombra dos seus chefes. Funcionam como um cordão de isolamento que protege o candidato do repórter.
Na atual corrida pelo Palácio do Planalto, o staff de imprensa dos candidatos tem trabalhado mais que nunca. Não poderia ser diferente, já que as rigorosas regras impostas pelo TSE ? que exigem tratamento igual para todos na cobertura e impede críticas ou elogios – e o início precoce da campanha fizeram da mídia espontânea a única forma de exposição dos presidenciáveis durante o longo período que antecedeu o horário gratuito. Diferente de 98, ano da barbada FHC, o presidente da hora. Ou 94, quando houve uma polarização consolidada que baixou a temperatura da corrida eleitoral, dessa vez a cobertura está no alto da página. Só se fala nisso.
Para atender a demanda das redações sem deixar furos, os comitês montaram estruturas sofisticadas de comunicação e adotaram figuras inéditas na cobertura como o porta voz dos candidatos e pesquisas qualitativas de mídia, que medem o quão positiva ou negativa são as matérias publicadas sobre cada um dos candidatos. "Nessa eleição, a importância dos veículos no processo eleitoral é bem maior que das outras vezes. Nunca se trabalhou tanto na assessoria nem nas redações. Desde que a corrida começou – e começou muito cedo – nós precisamos de pelo menos um evento de peso por dia para nos manter na mídia", conta a jornalista Andréia Gouveia Vieira, tucana de carteirinha e uma das coordenadoras gerais da assessoria de imprensa de José Serra.
Quatro homens e um destino
Os quatro principais assessores de imprensa dos candidatos têm muita coisa em comum. Todos são "dinossauros" da profissão, possuem agendas poderosas e circulam com desenvoltura entre a hierarquia da mídia. São, finalmente, fiéis escudeiros de longa data de seus chefes. Vamos a eles.
Na trincheira de Lula, o general da comunicação atende pelo nome de Ricardo Kotsho. Petista histórico, ele está com o candidato desde sua primeira tentativa de chegar ao Planalto, em 1989. Naquele ano, por pura convicção política, trocou um emprego seguro, de editor do Jornal do Brasil, para ganhar menos da metade do salário como assessor. "Quando eu entrei na campanha, meus chefes e amigos viviam dizendo que eu ia me queimar e não conseguiria voltar ao mercado".
Eram outros tempos. Pouca coisa sobrou do PT da primeira corrida, um partido radical e avesso a qualquer proximidade com os "barões" da mídia. "Hoje eu faço a autocrítica. Nós cometemos um grande erro naquele ano, ao não visitar os grandes grupos de comunicação", avalia Kotscho.
"Em 89 a hostilidade com o PT era gritante. Existia uma guerra civil nas redações. O reportariado, em peso, era Lula. Enquanto os donos e diretores – além de muitos editores eram anti-petistas". Não bastasse a resistência editorial, o dinheiro era escasso e vinha quase somente de contribuições de militantes. Instrumentos como clippings e mailings, indispensáveis nos dias de hoje, não faziam parte do vocabulário da campanha na época. A assessoria se resumia a Kotsho e tão somente a ele.
A profecia dos colegas não se cumpriu. Depois da derrota, Kotsho voltou mais forte do que nunca para a redação e foi convidado para cargos de chefia na Band e na CNT.
Na Segunda tentativa de Lula, o jornalista voltou a assessorá-lo. Dessa vez, a situação era um pouco melhor e o comitê pode contratar um auxiliar, um jovem repórter da Folha que despontava na grande imprensa, chamado Kenedy Alencar, hoje um dos mais bem informados jornalistas do país.
Só em 1998, na terceira tentativa de Lula, o repórter Kotsho ficou fora da campanha.
Para o PT de 2002, líder nas pesquisas, light no discurso e afável com o empresariado, não falta dinheiro. Foi com os cofres cheios e uma dianteira folgada nas pesquisas que o jornalista preferido de Lula novamente assumiu seu posto na nau de petista, pela terceira vez. Só que agora ganhando bem, com direito a um andar só seu no quartel general da campanha, em São Paulo, e uma estrutura de trabalho tão ou mais sofisticada que a de seus adversários. Entre outros instrumentos, o novo Lula conta com pesquisas internas, Duda Mendonça, equipes de TV e rádio, mais de uma dezena de jornalistas, porta-voz, clipagem profissional e até uma sala especialmente montada para coletivas de imprensa.
Entre os repórteres que cobrem política, a estrutura é considerada uma das mais eficientes. "Essa campanha está mais rica para os candidatos e mais pobres para os veículos. Em 1994, o Lula chegava de teco ? teco e os jornalistas de jatinho. Agora é o contrário. Mas essa nova estrutura funciona muito bem. Fornece informações com muito rapidez e qualidade", afirma Ricardo Galhardo, repórter "carrapato" de Lula para o jornal carioca O Globo.
Segunda voz
Na engrenagem eleitoral da Frente Trabalhista, que sustenta a campanha de Ciro Gomes, o assessor de imprensa do candidato só não tem mais autoridade que o próprio candidato. Todo esse poder ficou evidente no último dia 17 de agosto. Naquela data, um cardeal da campanha – o Senador e presidente do PPS Roberto Freire, foi desautorizado publicamente pelo presidenciável, depois de dar declarações defendendo a revisão dos contratos com o FMI.
"A única pessoa que tem autorização para falar por mim é meu assessor, Egídio Serpa. Mais ninguém". Essa frase trafegou pela mídia do país inteiro e jogou os holofotes sobre a sombra de Ciro, o jornalista cearense Egidío Serpa – um veterano das redações que já foi correspondente do Jornal do Brasil no Ceará, nos anos 70, e colunista do diário "O Povo".
Ele está com o candidato desde 1990, quando, eleito governador do Ceará, foi "cedido" pelo seu chefe, Tasso Jereissati, amigo e padrinho político de Ciro, com a missão de assessorá-lo em um longo projeto de poder que mirava a presidência da república.
Em 12 anos juntos, a dupla Serpa ? Ciro desenvolveu tamanha sinergia que o jornalista recebeu carta branca para liberar aspas, responder entrevistas pela Internet e fazer comentários tanto em off como em on em nome do candidato.
Assim como o petista Kotscho, Serpa já trabalhou sozinho e encarou campanhas mambembes ao lado de seu chefe antes de contar com um amplo aparato de apoio. A cada nova subida de Ciro nas pesquisas, entretanto, mais dinheiro entra nos cofres da campanha. "Calculamos gastar uns R$ 600 mil com assessoria até o dia da eleição", informa Luis Fernando Emediato, coordenador de imprensa em São Paulo. O suficiente para sustentar equipes de jornalistas em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, além de uma redação especialmente montada para alimentar o site do candidato, pesquisas internas e equipes de rádio e telejornalismo acompanhando o candidato passo a passo.
A sofisticação da assessoria de Ciro Gomes chegou a tal ponto, que o candidato chegou a contratar o veterano jornalista Carlos Chagas como porta voz. Não deu certo. Menos de duas semanas depois de assumir o posto, Chagas pediu demissão. Ele teria exigido uma equipe de 40 jornalistas, além de um salário alto demais, algo em torno de R$ 1 milhão até o fim do segundo turno, segundo publicou o jornal O Estado de S.Paulo. Um exagero, concluiu o staff da campanha.
Mesmo com toda essa infra-estrutura de apoio, Serpa – que não dá entrevista nem sob tortura, muito menos se permite fotografar – continuou com a mesma filosofia de trabalho de antigamente: absolutamente tudo relacionado à imprensa passa por ele. "Essa lógica de centralizar é boa até certo ponto, porque evita a circulação de informações erradas e gafes. O problema é achar o Egídio. Nem sempre que o telefone toca e ele atende. Às vezes demora décadas para responder um pedido de entrevista ou dar alguma informação ", reclama a jornalista de um grande jornal paulista, que pede para não se identificar por motivos óbvios.
Quixotesco
Com pouco dinheiro em caixa ? 50 mil mensais para assessoria de imprensa, um sexto do orçamento de Ciro – mal colocado nas pesquisas eleitorais e em atrito constante com empresários, banqueiros e veículos de comunicação, a campanha de Antony Garotinho navega quase que embalada apenas pela correnteza.
Guardadas as devidas proporções, pode se dizer que Garotinho está na corrida eleitoral desse ano, como estava Ciro em 1998 ou Lula em 1989 – correndo por fora e pavimentado o caminho para vôos futuros e mais potentes.
Na proa dessa nau solitária, o primeiro comandante atende pelo nome Carlos Henrique Vasconcelos, mais conhecido como Peninha, o jornalista número um do ex-governador desde junho de 1994. Naquele ano, Peninha deixou o cargo de chefe de reportagem do jornal O Dia para se engajar em uma empreitada no mínimo arriscada: assessorar a primeira campanha do ex-prefeito de Campos para o governo do Rio. Fez um ótimo negócio. Apesar da derrota, Peninha aproveitou a visibilidade do cargo e montou um bem sucedida empresa de assessoria.
Quatro anos depois, Garotinho se lançou pela segunda vez para o governo e venceu, sempre escudado por Peninha. Uma vez no poder, veio o reconhecimento e o assessor assumiu a Secretária de Comunicação do Estado, cargo que abandonou esse ano para, mais uma vez, pilotar a campanha de seu chefe, agora ao planalto. Questionado sobre um possível cargo em Brasília em um eventual governo Garotinho, Peninha se esquiva. "Estou sem férias desde a primeira eleição, em 1994. Por enquanto meu plano para o futuro é descansar". Serão férias merecidas. Com uma equipe reduzida ? apenas quatro jornalistas, todos no Rio de Janeiro ? Peninha trabalha em dobro. E não falha. Para não deixar ninguém sem resposta carrega consigo dois celulares, sempre ligados. "O Peninha é muito acessível e tem liberdade para falar pelo Garotinho. Ele resolve. Tem assessor que fica na defensiva, parece que tem medo. Esses são jogo duro", diz Andrei Meireles, repórter de política da revista Época.
Super máquina ou teco-teco?
A assessoria de imprensa da campanha de José Serra é o maior alvo de reclamações do candidato desde que a campanha foi para a rua. E não é por falta de verba: a estrutura tucana é, de longe, a mais cara e povoada. Custa, por mês, R$ 1,5 milhão, segundo informou sua assessoria. Verba que sustenta um quartel general em Brasília, onde operam uma dezena de jornalistas, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Além de bases operacionais em vários estados e de equipes de TV e rádio acompanhando o candidato. Como se não bastasse, Serra foi o único que contratou uma agência de comunicação – a mais badalada do mundo, a multinacional Edelman. A mesma que nos Estados Unidos assessora Bill Clinton e sua esposa Hilary.
Nem todo esse investimento foi o suficiente, entretanto, para que o candidato ficasse bem com os jornalistas. Os repórteres que cobrem Serra costumam reclamar que, entre as quatro candidaturas, a tucana é a que mais demora a dar respostas, já que vive em clima de eterna mudança. "A assessoria de imprensa do Serra é a mais profissional, mas isso não significa que seja a mais eficiente. Se a estrutura toda e o candidato são confusos não adianta contratar os melhores jornalistas do mundo", diz o jornalista Gilberto Camargo, repórter especial de política do Jornal do Brasil.
Desde antes do começo da corrida presidencial oficial até hoje, diversas estratégias e formações foram testadas.
No começo, quando Serra ainda era Ministro e a campanha não estava oficialmente na rua, a sombra do candidato era o jornalista Milton Coelho da Graça ? ex- Globo, IstoÉ e Gazeta Mercantil e ex-assessor de imprensa e secretário de comunicação do prefeito César Maia.
A parceria durou até abril, período da primeira turbulência pesada na campanha, com Roseana disparando na dianteira e Serra despencando nas pesquisas. Impaciente com a falta de entrosamento de seu staff, responsável por uma sucessão de gafes, o candidato optou por terceirizar o trabalho da assessoria e depositou todas as fichas na Edelman, pilotada no Brasil pela tucana Andréia Gouveia Vieira. Coelho, então, perdeu poder e passou a ocupar um posto secundário, atendendo a imprensa internacional.
A mudança não surtiu muito efeito e as crises continuaram. Serra, então, promoveu outra mudança, essa radical. Andréia e a Edelman, assim como todo o aparato de comunicação, passaram a ser subordinados a João Roberto Vieira, mais conhecido como Bob, então Secretário de Comunicação do governo. Para evitar mais desencontros, um veterano das redações com ampla experiência em assessoria política, ex-assessor de Serra no Ministério do Planejamento e no Senado, foi chamado como bombeiro – Ignácio Muzi. Sócio da agência de comunicação Companhia de Noticias em Brasília, ele já foi um fuçador nato, responsável por uma seção mal vista entre os presidenciáveis: o colunismo político diário. Como editor do Painel Político da Folha de S.Paulo, a seção mais lida do jornal, sua especialidade era destrinchar os bastidores. "Serra é um crítico contumaz desse tipo de nota", conta Muzzi. Talvez esse seja justamente o feeling que faltava na engrenagem tucana. Como sempre, na hora do aperto, prevaleceu a velha fórmula.
FONTE: Revista Imprensa