“Lágrimas não são argumentos”, dizia Machado de Assis. Mais de cem anos depois de criada, a frase é mais do que válida no contexto da complexidade do cenário corporativo global, onde percepções negativas de stakeholders podem rapidamente arranhar reputações de executivos e empresas um custo alto nem sempre anulado por pedidos de desculpas, explicações ou reverências tardias.
Há poucos dias o presidente da Phillips do Brasil, Paulo Zotollo, ao opinar que haveria um “marasmo cívico” no Brasil, disse: “Não se pode pensar que o país é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado”. Mesmo explicando que tudo não passou de uma forma infeliz de se expressar e que não pretendeu ofender o estado e seus cidadãos, o resultado da frase foi uma enxurrada de protestos. Políticos, e não apenas do Piauí, discursaram contra a postura do executivo; estudantes quebraram televisores e equipamentos de DVD da Phillips na capital Teresina; o Grupo Claudino, do Piauí (onze empresas, uma das quais, a Armazém Paraíba, forte rede varejista com atuação em cinco estados do Nordeste) anunciou em represália a suspensão de encomendas de produtos da marca.
Menos conhecida mas não menos relevante foi a reação registrada nos chamados espaços sociais da web. A menção do Piauí pelo presidente da filial brasileira da Phillips gerou comentários em 2.710 blogs e provocou a criação de 19 comunidades críticas no Orkut, focadas especificamente no episódio. Vídeos inseridos no YouTube vão na mesma direção.
O episódio mostra que lideranças empresariais, por terem um peso específico cada vez mais relevante em um mercado global crescentemente competitivo, devem sempre zelar por essa sua condição de protagonistas junto à opinião pública. Vão longe os dias de Henry Ford dizer publicamente, sem qualquer outra preocupação além de sua própria visão de mundo, que o consumidor tinha o direito de escolher qualquer cor ao comprar um carro Ford, desde que fosse preta. Aquele pioneiro da indústria automobilística se negava a imaginar que o mercado poderia evoluir para novas exigências, como os veículos de cores diferentes que passaram a ser fabricados pela General Motors. Esta, por sua vez, logo ultrapassou a Ford na preferência do consumidor americano, uma posição que nunca mais perdeu para a rival em mais de setenta anos.
Deixando de lado casos particulares, o fato é que executivos em posição de comando são personagens sempre expostos à mídia e a segmentos relevantes de seu mapa de negócios. Às vezes registram uma sensação (justificada ou não) de concentração de influência e/ou poder em suas mãos que funciona como perigoso estimulante capaz de alterar seus níveis de percepção de riscos. Nesse contexto, certas atitudes, decisões, falas ou posicionamentos marcados pelo impulso ou improviso possuem o poder de gerar rápida combustão e se transformar em crises que poderiam simplesmente nunca ter existido. Em grande medida a indústria da comunicação funciona como verdadeiro fermento para situações sensíveis, graças ao seu poder de multiplicar informações em escala global e tempo real. Assim, notícias negativas são amplificadas e sua repercussão cresce de forma implacável.
Nos dias atuais, mais do que nunca, é importante que o executivo cuide de construir, desde o início de sua carreira, e tijolo a tijolo, uma imagem consistentemente positiva em torno de si. Isso permite que ele venha a transferir prestígio pessoal à empresa que representa, contribuindo para o fortalecendo dos vínculos com stakeholders e a reputação da organização situação de evidente valorização do próprio executivo. Não é difícil lembrar de situações recentes em que nomeações de determinados executivos para posições específicas de liderança em grandes empresas foram capazes de valorizar ações em bolsa de valores, em alguns casos, ou derrubar seus preços, em outros casos.
Incontinências verbais no meio corporativo não são incomuns, mas são sempre perigosas. Ben Bernanke, pouco depois de assumir no ano passado o Federal Reserve nos Estados Unidos, baixou a guarda durante um jantar com jornalistas da Associação dos Correspondentes na Casa Branca. Ao conversar com uma repórter da rede americana de TV CNBC ele se disse desapontado com o fato de que alguns investidores e analistas viam nele um comportamento supostamente condescendente em relação à inflação, o que poderia significar uma eventual sinalização de que estaria perto do fim o processo de aperto monetário no país. A conversa, divulgada um dia depois pela CNBC, causou turbulência nos mercados. Bernanke se desculpou publicamente, reconheceu que não deveria ter feitos confidências à repórter e disse que não repetiria mais a atitude. “Houve um lapso de julgamento de minha parte. No futuro só falarei oficialmente”, sentenciou.
Falar o que não se deve nem sempre impacta os negócios ou os mercados, mas sempre pode levar a um indesejável desgaste de imagem. Nos anos 90 o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Mário Amato, disse ser a ministra de Estado Dorothéa Werneck inteligente, “apesar de ser mulher”. Desnecessário lembrar os problemas que isso causou ao então presidente da entidade.
Comunicação por impulso embute alto grau de risco. A gestão empresarial pressupõe sempre planejamento, e o quesito comunicação não pode ser exceção. Vale a máxima de Mark Twain: “Eu levo mais de três semanas para preparar um discurso de improviso”.
Ciro Dias Reis é presidente da Imagem Corporativa, 2º. vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom) e membro do Comitê Estratégico de Assuntos Corporativos da Câmara América de Comércio (AmCham).
Fonte: Gazeta Mercantil
FONTE: Gazeta Mercantil