O coronavírus colocou empresas e profissionais em xeque, acelerando mudanças profundas na forma de ser, de agir e de se comunicar – para aqueles que quiserem sobreviver e continuar construindo credibilidade, confiança e reputação.
“Chega de conversa fiada! Acabou a enrolação. Ou se pratica o que se fala, ou se morre!” Esse foi o recado final que o empresário Nizan Guanaes reforçou, de forma contundente, em um dos webseminars a que assisti, recentemente. Uma das primeiras vítimas do coronavírus no Brasil, o influente publicitário compartilhava naquele dia as reflexões como paciente, e também como ele está enxergando o mundo pós-Covid19. “Entraremos na era do Fim do Lero”, profetizou. E essa frase me fez refletir o quanto esta pandemia está obrigando o mundo corporativo a se reinventar e a se ressignificar da cabeça aos pés, de corpo e alma. E o quanto empresas e profissionais terão que agir e se posicionar de forma muito mais autêntica, verdadeira e sem enrolação, se realmente quiserem continuar construindo credibilidade, confiança e reputação a partir de agora.
Algumas organizações entenderam isso rapidamente. Em meio a essa turbulência inédita e sem precedentes, elas reagiram, agiram, e já estão sendo percebidas como exemplos a serem seguidos. Empresas que compreenderam seu novo papel na sociedade e como podem ser úteis de forma mais colaborativa, para o bem de todos – e não apenas para o bem de seus clientes. Empresas que adaptaram suas linhas de produção e passaram a utilizar o álcool excedente da produção de cerveja para produzir álcool em gel; aquelas que, na mesma linha de montagem de carros, agora também montam máscaras de proteção; as que aderiram a campanhas nacionais para não demitir – e as que demitiram trataram a todos com respeito, diálogo e compaixão; as que passaram a disponibilizar gratuitamente suas plataformas de educação e de cultura para ampliar conhecimento a quem quisesse. É também de aquecer o coração ver os chefs de estrelas Michelin entregando nas ruas, de forma voluntária e gratuita, marmitas do bem para os que passam fome e estão mais vulneráveis; empresas que se uniram aos concorrentes pela primeira vez em suas histórias para construir hospitais de campanha em tempo recorde, numa clara demonstração de que todos juntos são muito mais fortes para combater o inimigo comum; empresas que fizeram doações para as comunidades e para os que estão na linha de frente no combate à doença. E tantos outros exemplos de organizações solidárias, que deixaram a rivalidade de lado e fortaleceram o outro lado institucional, muito mais humano.
Aliás, essa mesma atitude humanitária das empresas precisa também estar evidente nas atitudes de todos os seus líderes. De nada adiantam as transformações nos processos e nos modelos de negócio se os profissionais não mudarem e não se transformarem também. Os executivos mais admirados e lembrados nessa pandemia são aqueles que têm demonstrado muito além da competência técnica. Esse “novo normal” está exigindo líderes com um mindset repleto de autenticidade, transparência e proximidade. Líderes que genuinamente acolhem e respeitam a dor do outro, com empatia; que estão mais presentes do que nunca, num mundo cada vez mais virtual; que investem tempo para ouvir, acima de tudo. Líderes que aceitam e valorizam as diferenças de pensamento e de opinião; que investem na comunicação não violenta; que têm coragem de expor suas fragilidades, e que não têm todas as respostas; líderes que erram e se permitem mudar de ideia nesse momento de tantas incertezas. Que conseguem transmitir serenidade em meio ao caos, com clareza, coerência, direção e, acima de tudo, convicção e esperança. Que confiam, orientam e delegam. Que reconhecem seus times e celebram com eles. Que não se escondem nos momentos difíceis, e justamente nessas horas são eles que se posicionam e comunicam as informações mais duras, com sensibilidade e respeito. Um líder criativo, ágil, disposto a aprender e a se reciclar, com humildade e capacidade de se adaptar e trazer soluções de valor, com menos recursos e com muito mais resiliência. E que constroem relações de confiança com base na verdade e no afeto.
O fato é que o coronavírus colocou empresas e profissionais em xeque. Acelerou mudanças profundas na forma de ser, de agir e de comunicar. Estamos diante de uma sociedade mais crítica e atenta, que não vai mais tolerar empresas e profissionais que só fazem de conta, com frases de efeito e valores que só existem pendurados nos quadros das paredes dos escritórios vazios. Empresas autorreferentes, incapazes de enxergar o outro. Empresas incoerentes, que falam, mas não fazem, que têm discurso bonito, mas uma prática desastrosa; que se dizem sustentáveis só na voz e não no mundo real. Que doam por oportunismo e por meras ações marqueteiras. Também não há mais espaço para os líderes de egos inflamados, que não ouvem, que não envolvem, que não delegam. Perfeccionistas, autoritários, calculistas e ditadores, de sorrisos falsos e engomados, que se alimentam de poder e que só pensam em si e na própria carreira.
Esta crise está testando a cultura e a essência de tudo e de todos. Ninguém tolera mais a tal conversa fiada. Chega de viver de aparências! Não há mais tempo para isso. Essa pandemia carimbou nosso passaporte institucional para uma nova era. A era do propósito, dos valores e do fim do “blá blá blá”. A era e a hora da verdade, do diálogo genuíno, da coerência e da construção conjunta. Onde é preciso agir e comunicar com nobreza de espírito, em que o interesse coletivo se agigantou frente ao interesse puramente individual. Não há mais escolha, não dá mais para voltar atrás. Ainda estamos no início dessa jornada. Mas se empresas e líderes quiserem sobreviver à pós-quarentena e continuar construindo credibilidade e reputação, só existe um caminho a partir de agora. A era do Fim do Lero será tão implacável quanto o novo vírus: ou se pratica o que se fala – e se leva a sério as recomendações dos especialistas – ou irremediavelmente se estará com os dias contados.
Por Malu Weber, executiva sênior em comunicação empresarial