Daniel Bruin
Em uma segunda-feira pela manhã, o presidente de uma grande empresa pergunta à secretária pela agenda do dia e descobre que a primeira reunião é com a agência de comunicação. Intrigado, lembra-se que na semana anterior já tivera outra reunião com a agência de comunicação. Será que, sob o efeito do stress, sua memória estava traindo? “Não, aquela era a agência de comunicação de relações públicas, a reunião de hoje é com a agência de comunicação de propaganda!”, explica a secretária. Essa história é verdadeira. Ainda não é comum, mas tem acontecido com uma freqüência cada vez maior.
A causa dessa confusão de conceitos e identidades poderia ser a concretização de uma profecia. Alguém disse na década de 60 que, no futuro, “tudo será comunicação”. Não importa se publicitária, mercadológica, comercial, corporativa, empresarial ou interpessoal. Ainda não chegamos nessa convergência total, e naquela época o caminho para isso se mostrava mais factível e atraente do que mostrou a realidade e, de certa forma, as exigências da economia moderna.
Mas o verdadeiro motivo desse imbróglio é mais simples e pueril. Trata-se simplesmente de uma conseqüência direta do rearranjo do bolo de verbas da comunicação. Há anos os investimentos publicitários das empresas vêm se reduzindo na exata proporção do aumento de gastos com outras ferramentas, como eventos, marketing promocional e até mesmo relações públicas. Sem contar o fenômeno da mídia digital, que talvez tenha se tornado importante demais neste momento para se encaixar em qualquer rótulo.
Neste cenário, as agências de propaganda perceberam que teriam de abrir o leque de serviços para não depender de uma fatia de verbas que fica mais esquálida a cada ano. Uma conseqüência direta foi a adoção do termo agência de comunicação para se autodefinir, o que presume a especialização em todos os escaninhos da categoria.
Só existe um problema: há muitos anos as assessorias de imprensa de outrora, impedidas de se chamar de agências de relações públicas devido a uma reserva deste mercado profissional, criado no auge da ditadura militar, em 1967, passaram a se denominar agências de comunicação.
Claro que essa polêmica não é de hoje. Já na década de 80, a Ogilvy lançava o conceito de “Orchestration” de comunicação integrada, com a concentração de verba do cliente em apenas um gestor de comunicação, que se encarregava de definir os melhores meios de expressão da marca – relações públicas inclusa.
Nos anos seguintes apareceu o sistema “Comunicação 360°”, no mesmo sentido. O termo, de tanto ser adotado de forma “inédita” por algumas agências, tornou-se chavão mercadológico.
Houve também “combate aberto”. Em 2003, Al Reis lançou o famoso A Queda da Propaganda – Da Mídia Paga À Mídia Espontânea, com direito a passagem pelo Brasil para explicar melhor a provocação em concorridas palestras. Ries defendia a valorização das relações públicas na construção de marca e reputação, em detrimento da propaganda, que só fixaria na mente do consumidor uma imagem já construída. Na sequência, Washington Olivetto, sempre ele, publicou texto neste Meio & Mensagem dizendo que tudo o que Al Ries dizia era bobagem.
Mas ninguém levou realmente esta disputa a sério até há pouco tempo, pois a diferença de volumes manejados por um e outro segmento era muito grande para se perder tempo em considerações concorrenciais. O quadro, entretanto, está mudando. Ainda que o faturamento do setor de relações públicas, em termos gerais, ainda esteja longe do mercado de publicidade, algumas agências da área já conseguem um faturamento por volta de R$ 60 milhões anuais, lembrando que é uma verba praticamente proveniente de fees mensais, e não de verbas de mídias transitórias. E um grupo de pelo menos dez empresas do segmento fatura mais de R$ 25 milhões por ano, o que as colocaria no Top 50 do ranking anual de agências de propaganda do Meio & Mensagem.
Também é preciso lembrar que o movimento não vai só a uma direção. Algumas agências de comunicação da área de relações públicas, como a CDN, também descobriram que, se o jogo é assim, também podem avançar e oferecer igualmente a propaganda em seus pacotes e serviços.
Claro que é só início de uma transposição de anima, mas pode ser também uma indicação definitiva da tão idealizada convergência total em um futuro relativamente próximo.
De qualquer forma, o pano de fundo deste embate não é novo, mas a movimentação recente tem lances inéditos. Culpa do mercado, que insiste em impor a força da realidade à vã disputa por nomenclaturas.
Fonte: Meio & Mensagem