Francisco Soares Brandão
A repercussão negativa das declarações do arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Eusébio Sheid, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva evidencia o impacto que um porta-voz mal preparado pode provocar para uma empresa ou instituição. Ao dizer que Lula “não é católico, é caótico”, Sheid foi grosseiro e seguramente extrapolou suas funções, ao se atribuir o papel de juiz da fé alheia. Além disso, foi extremamente inoportuno, ao fazer declarações semelhantes às vésperas da viagem do presidente para participar dos funerais do papa João Paulo II.
O resultado das declarações do cardeal era previsível para qualquer um que minimamente conheça a forma de funcionamento da imprensa. Manchetes de primeira página, reações duras e dezenas de cartas críticas de leitores eram a repercussão esperada. Como era também a tentativa de se colocar água na fervura, concretizada com a entrevista favorável a Lula concedida pelo arcebispo de São Paulo, cardeal Cláudio Hummes, que acompanhou o nascimento do PT quando era bispo de Santo André.
O caso é uma excelente oportunidade para tirarmos lições sobre o papel e o limite dos porta-vozes no contato com a imprensa. A primeira delas é de que declarações impensadas e improvisadas têm grande potencial para prejudicar seu autor e a instituição que ele representa. Ações posteriores para consertá-las ajudam a diminuir o dano, mas não resolvem o impacto de todo.
Existem três estratégias básicas para evitar que isso aconteça: preparação, preparação e mais preparação. Um porta-voz bem preparado não se aventura a falar sobre temas que não são de sua responsabilidade ou de seu conhecimento.
Uma segunda lição deriva da própria tradição cristã: um pouco de humildade nunca faz mal. Alguns porta-vozes se seduzem pelos quinze minutos de fama gerados pelas luzes das equipes de televisão e pelo assédio dos gravadores e, no afã de conquistar mais espaço na mídia, acabam falando sobre o que não devem.
Uma terceira lição que gostaria de destacar é sobre timing. O bom porta-voz deve saber o momento certo para externar críticas ou opiniões polêmicas, no sentido de garantir a repercussão desejada para suas palavras. Críticas como as feitas por Sheid poderiam até, vamos imaginar, fazer sentido na discussão de alguma iniciativa de Lula condenada pela Igreja Católica, mas são extemporâneas e soam a grosseria num momento de luto e de homenagem ao papa.
Por último, vale lembrar que um porta-voz deve saber que suas opiniões serão sempre atribuídas à instituição a que pertence e não serão vistas apenas como manifestações pessoais. Por isso, é fundamental que declarações polêmicas estejam alinhadas e reflitam realmente a visão da organização sobre o tema em questão.
No caso específico, não acredito que as palavras do cardeal Sheid representem a visão majoritária da Igreja e da comunidade católica. Por mais defeitos que o presidente tenha, como todos nós temos, não há concretamente razão para que um sacerdote venha a público questionar sua fé, talvez a mais privada e íntima de todas as questões.
A responsabilidade de um porta-voz é, como se pode ver, muito grande. O contato com a imprensa é uma função estratégica para empresas, organizações, entidades etc. e tem papel fundamental na construção (ou destruição) de imagens públicas. Os exemplos positivos e negativos são muitos. Deve, portanto, ser exercida por pessoa preparada e consciente das repercussões de suas palavras.
Francisco Soares Brandão é consultor na área de comunicação e sócio-fundador da FSB Comunicações