Carta aos executivos noticiáveis

O XIS DA QUESTÃO – (Sobre a participação das fontes no processo jornalístico) – Terá alguma utilidade, para a imagem e os interesses das instituições, um jornalismo minado em sua confiabilidade pela publicação de notícias irrelevantes ou de veracidade duvidosa, publicadas sob pressão de razões outras que não as razões jornalísticas?



Senhores executivos e senhoras executivas de empresas e instituições noticiáveis:



A maioria de vocês certamente inclui, na agenda das obrigações diárias, a leitura dos artigos de Luiz Nassif. Mas acredito que, mesmo no caso dos mais fiéis leitores desse ótimo colunista, esteja perdido, nos embaçamentos da memória, um pequeno trecho de três parágrafos, escritos por ele, com severa crítica aos procedimentos nada exemplares de certas assessorias de imprensa. É natural esse apagão, que oculta nos vazios da lembrança a bronca dada pelo Nassif. Afinal, os tais três parágrafos encerravam um artigo escrito no dia 11 de maio de 2001.



Acontece, porém, que o aperfeiçoamento da sociedade depende cada vez mais da correta divulgação jornalística do que é dito e feito pelas instituições (empresas incluídas) noticiáveis. Por isso, é boa hora para relembrar o que Nassif escreveu dois anos e meio atrás, quando desancou profissionais que, embora se auto-proclamando jornalistas, agem como inimigos do jornalismo.



Peço a vossa paciência e o vosso interesse, senhores executivos e senhoras executivas, para a transcrição da parte que permanece atual nos aludidos três parágrafos. Sob um intertítulo curto e grosso (?Os barra-pesadas?), escreveu Luís Nassif:



"Nos últimos anos tem havido deformação na área de assessoria de imprensa. Ao lado de muitas assessorias técnicas e sérias, surgiram no mercado especialistas em montar dossiês, em armar notas injuriosas contra adversários e, até, em pagar colaboradores de jornais para que assinem reportagens em favor de seus clientes.

(…)

É importante que as empresas se dêem conta de que sua imagem vai para o buraco, com esse estilo de assessoria. E que nós, jornalistas, comecemos a definir critérios para separar o joio do trigo e impedir a disseminação dessa praga."



Do quadro pintado nesse curto texto fazem parte não apenas as assessorias de imprensa, os jornalistas que nelas trabalham e os jornalistas que atuam nas redações. Do cenário fazem parte, também, e em enquadramento de enorme relevância, os executivos que, nas instituições-fonte, têm posições de mando nas áreas de comunicação ou sobre elas exercem algum tipo poder, ainda que oculto.



Como a preservação da confiabilidade do relato jornalístico é essencial para os processos e os conflitos construtores da democracia, na sociedade que idealizamos, convido-os, senhores(as) executivos(as) de empresas e entidades noticiáveis, para uma pequena reflexão sobre a vossa responsabilidade, como intervenientes no processo jornalístico.



Comecemos por uma pergunta simples: haverá, entre vocês, alguém que goste de ver os conteúdos mais importantes de sua instituição publicados em jornais, colunas ou programas sem credibilidade? Terá alguma utilidade, para a imagem e os interesses das instituições, um jornalismo minado em sua confiabilidade pela publicação de notícias irrelevantes ou de veracidade duvidosa, publicadas sob pressão de razões outras que não as razões jornalísticas?



Certamente, não.



Ora, se o que serve às instituições, e está nas expectativas da sociedade, é o pressuposto e a exigência de um jornalismo veraz, e além de veraz, vinculado, por compromisso, a uma visão ética do mundo, então, é dever das próprias instituições contribuir para a construção e a preservação desse jornalismo confiável e dos seus valores culturais. O que significa dizer, ser esse um dever dos(as) executivos(as) que nas instituições têm o poder de agir e dizer em nome delas.



******



A crítica-denúncia feita há dois anos e meio por Nassif, de dedo apontado para certas assessorias de imprensa, devia ter sido estendida aos executivos das respectivas instituições clientes. Porque, embora isso não deva nem possa servir de desculpa para desvios de caráter e fragilidades profissionais nas assessorias de imprensa, acredito que, nos casos escabrosos a que Nassif se referia, atrás de um assessor "barra-pesada" estava, por certo, um executivo ou uma executiva "barra-pesada".



Nos dois anos e meio que se passaram depois do brado acusatório de Luís Nassif, o nível de profissionalismo melhorou, nas relações complexas entre assessorados e assessores, e entre assessorias e redações. Estou convencido disso, e sustento o que penso em ótimos exemplos de assessoria de imprensa e de cases que conheço, e não só no eixo Rio-São Paulo.



Mas ainda persistem por aí, por parte de executivos que precisam ser reeducados, comportamentos destoantes, prejudiciais à confiabilidade do jornalismo, à respeitabilidade profissional dos jornalistas e aos próprios interesses das instituições para as quais trabalham.



******



Para ajudar na reflexão, eis três pequenas histórias, recortadas entre experiências que me foram relatadas por assessores que se sentiram desrespeitados:



Caso I – O executivo de determinada associação chama o assessor e lhe diz:?Tenho um projeto político. Vou ser político. E preciso aparecer no Amauri, ser notícia nas colunas sociais e pauta de reportagem na Veja. É isso que quero?.



Esse acha que tem poder para mandar até nas redações.



Caso II ? Diz o executivo, na reunião convocada com a assessoria de imprensa: ?Estou fazendo um evento e quero notícia nos jornais dois meses antes?. O jornalista assessor explicou que eventos daquele tipo só têm chance de ser notícia na semana em que acontecem. E o executivo insistiu: ?Tem que ter notícia publicada dois meses antes. Se não tiver notícia, vou fechar?. Resposta rápida do assessor: ?Se o senhor fechar, aí é notícia?.



Esse nem imagina como as coisas funcionam. Mas deve ter aprendido.



Caso III ? Uma empresa de treinamento chamou uma assessoria para divulgar um curso que ia ser realizado. A noticia saiu em vários jornais e rádios, nas editorias adequadas. Mas o curso foi um fracasso, por falta de inscrições.



O empresário culpou a assessoria e não queria pagar os serviços prestados. Nas negociações, reconsiderou, pagou tudo direitinho e deve ter aprendido que o sucesso ou o fracasso de um curso tem a ver com o conteúdo e as condições oferecidas. Se o produto é fraco e caro, quanto mais se divulga, pior.



******



Como o texto vai longo, deixo para a próxima semana a abordagem do assunto por outras perspectivas. Fica aí o intervalo de uma semana para o relato de casos ? negativos ou positivos ? por quem os tenha e queira contar. É uma forma de alongar e aprofundar a discussão, em favor de um melhor padrão de informação jornalística, por parte das fontes.


FONTE: Comuniquese

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *