Empresas investem para ouvir empregados

A célebre expressão "botar a boca no trombone" entrou para o rol de preocupações dos gestores de grandes empresas em relação às equipes. Por mais estranho que pareça, em dezenas de organizações presentes no país já há profissionais encarregados de criar formas de fazer o "clamor" dos funcionários chegar diretamente aos ouvidos do alto escalão.  

  

E esse não é serviço para amadores. A área de comunicação corporativa pouco a pouco vem se firmando como estratégica dentro das companhias. Reflexo disso são os investimentos de R$ 1,2 bilhão que o setor recebeu em 2002 no Brasil, segundo pesquisa concluída em fevereiro pela Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial).  

  

O estudo, obtido com exclusividade pela Folha, ouviu cem corporações com filiais ou sede no Brasil e que faturaram, juntas, mais de US$ 170 bilhões em 2001.  

  

A proposta agora é enterrar a velha prática do "telefone sem fio", que acaba gerando rumores e boatos daninhos às empresas.  

"Não há nada pior que a "rádio-peão", em que o corpo de funcionários sabe mais que a diretoria. E, mais grave, geralmente de forma distorcida", afirma Patrícia Molino, 36, diretora da KPMG.  

  

Interatividade  

  

Além dos tradicionais boletins e jornais internos, as empresas hoje dispõem de meios eletrônicos, como intranet, painéis, terminais e telas digitais, sem contar os videojornais das redes de TV interna.  

Na Embraco, que fabrica compressores herméticos, a comunicação se dá por meio de um terminal digital, semelhante a um caixa eletrônico, batizado de Canal Aberto. A máquina, implantada há dois anos, dá acesso aos currículos de toda a diretoria.  

  

Para interagir com o alto escalão, o funcionário toca na tela, seleciona um executivo e envia pergunta, sugestão ou reclamação de forma identificada ou anônima.  

  

"O sistema desmitificou a figura do alto executivo, os funcionários se sentem mais próximos da cúpula", diz Rosângela Santos Coelho, 35, assessora corporativa de comunicação da Embraco.  

  

Outra iniciativa inovadora é o programa de TV criado pelo Grupo Nova América, de usinas de açúcar no interior de São Paulo.  

  

A atração, semanal, chama-se TV Você. Além de colocar os funcionários a par do que se passa na empresa, o programa trata de cultura, esportes e música. "É uma forma de dar voz aos funcionários", diz a gerente Ana Girardi.  

  

Menos inovador, mas também interativo, o 9090 é o ramal criado pelo Hopi Hari para dar voz aos empregados. Diariamente, atende a 30 ligações. "Ninguém fica sem resposta", afirma a gerente de marketing, Cristina Bandeira.  

  

Foi por sugestões vindas do ramal que os funcionários conquistaram alguns privilégios, como novos horários de ônibus para o parque e cardápio especial para vegetarianos no restaurante.  

Na multinacional suíça Holcim, da área de materiais de construção, vídeos internos tiveram outra função: identificar os funcionários com a nova marca, quando a empresa trocou de nome.  

   

Prática precisa levar em conta cultura interna   

  

Para que a comunicação surta o efeito esperado nos funcionários, é preciso que a companhia, principalmente os departamentos de comunicação e de recursos humanos, conheça o perfil dos que trabalham na empresa.  

  

"Uma iniciativa errada surte o efeito contrário", avalia Patrícia Molino, da consultoria KPMG.  

  

Ela lembra o episódio de uma firma (cujo nome prefere manter em sigilo) que, na festa de Natal, levou os funcionários da fábrica para um lugar sofisticado demais e desagradou a todos.  

  

O desconhecimento atrapalha até o jornal interno. "Conheço uma instituição educacional que criou um jornal com linguagem despojada para que os alunos se identificassem com ela. Mas aconteceu o contrário: todos acharam o veículo irreverente demais para uma empresa que passava uma imagem mais séria", diz Suzel Figueiredo, 42, diretora da Ideafix Estudos Institucionais.  

   

Café com diretoria tem sabor de negociação   

  

Uma iniciativa que se tornou popular em comunicação corporativa é a chamada face a face, em que presidentes ou diretores se encontram com funcionários de todos os níveis hierárquicos.  

  

Grandes empresas como Pão de Açúcar, Embraco, Kaiser, Multibrás e outras estão apostando na estratégia para aproximar empregados e patrões e aumentar a produtividade de ambos os lados.  

  

Em alguns casos, além de estreitar os laços entre funcionário e diretoria, os encontros geram frutos para os empregados. Foi em um Café com o Presidente, que acontece quinzenalmente na Multibrás, que as funcionárias da empresa conquistaram o direito de incluir os maridos no plano de saúde oferecido pela corporação.  

  

"Fizemos uma pesquisa interna, e a aprovação do evento foi de 80%", comemora Valéria Café, 33, gerente de comunicação.  

  

Estar cara a cara com o presidente é uma real oportunidade de reclamar novos direitos, já que há mais receptividade para negociações. "Quando nós falamos em comunicação, nada substitui o diálogo. Por isso a valorização da fala, de ouvir, de olhar e de sentir", opina Paulo Nassar, presidente-executivo da Aberje.  

  

Mesmo afastado da presidência-executiva do Grupo Pão de Açúcar desde o início de 2003, o empresário Abilio Diniz continua comparecendo ao Fale com Abilio, reunião quinzenal que acontece entre ele e grupos de empregados das lojas da empresa.  

"Só são convidados profissionais até a posição de coordenadoria", explica o gerente de relações com o cliente interno da rede, Carlos Henrique Cesar, 37.  

  

Na Kaiser, a iniciativa face a face se chama Conversa de Bar e é realizada a cada dois meses. "A interatividade é importante, a empresa quer que cada um dos 2.500 funcionários se sinta parte do grupo", conta o gerente de comunicação, Rodrigo Aguiar, 28.  

  

Silêncio  

Apesar da aparente boa intenção das companhias, esse modelo de comunicação também pode sofrer desgaste, e a iniciativa pode acabar sem participantes, conforme avalia a coordenadora de desenvolvimento pessoal da Panex, Monica Santini Biajo, 40.  

  

"Tivemos esses encontros por dois anos, e isso funcionou bem, principalmente quando a empresa passou por uma fusão. Só que a fórmula se esgotou, a participação dos funcionários diminuiu e suspendemos o evento", conta.  

  

A lição que se tira é que "forçar" encontro entre diretoria e funcionários de baixo escalão não funciona. Os dois lados ficam sem ter o que dizer e podem até ficar irritados com o compromisso.  

   

   

  


FONTE: Folha de S. Paulo

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