Os grandes conglomerados mundiais têm caminhado no sentido de enxugar seu portfólio de marcas, concentrando seus esforços naquelas cujo potencial e vocação de consumo global sejam maiores. É de domínio de todos o esforço recente de um poderoso conglomerado como a Unilever, que reduziu de 1.600 para apenas 400 as marcas com as quais deseja estar presentes em todos os mercados mundiais.
Essa concentração em poucas marcas que possibilitem cobertura internacional vem acompanhada de uma concentração também na decisão sobre os destinos das verbas publicitárias e de comunicação. Um exemplo recente que podemos citar aqui é o da Motorola, que em busca de rejuvenescimento de sua marca adquiriu, a partir de Nova Iorque, um pacote de US$ 78 milhões em mídia na MTV. Não exclusivamente na MTV norte-americana, mas em todas as operações regionais da MTV espalhadas pelo mundo. Trata-se de uma compra mundial, que afeta e impacta diretamente as operações locais tanto do anunciante, quanto do veículo. Em verdade, essas operações receberam a decisão pronta e a verba decidida, cabendo a elas apenas o entendimento operacional básico para alocação da parcela de investimento que lhes coube burocraticamente administrar.
No âmbito de decisões como essas da Unilever e da Motorola, inscreve-se também toda uma necessidade específica, mercado a mercado, de ações na área da comunicação corporativa e empresarial. Todas essas medidas precisam ser seguidas de ações e projetos locais país a país, para que os mercados as recebam de forma mais positiva e para que elas tenham seus objetivos atingidos de forma integrada e mais eficaz. Em casos como esses, as operações nacionais tanto da Unilever como da Motorola, tendencialmente, deverão ter ativado suas estruturas de prestação de serviço na área da comunicação corporativa, para que o trade, os clientes e fornecedores, assim como parcelas específicas dos públicos-alvo, pudessem ser melhor trabalhadas para otimizar as decisões tomadas num centro decisor bem distante daqui.
No âmbito dos veículos de comunicação, no entanto, a internacionalização se deu apenas em parte. Temos hoje em nossa TV, por exemplo, acesso à programação dos maiores conglomerados da mídia mundial, que estão no país através de contratos de parceria com grupos locais. No entanto, porque tivemos nesse setor, durante anos, uma legislação restritiva a presença do capital estrangeiro, sua internacionalização ainda não se deu como nos demais setores que acabamos de mencionar.
A Lei que flexibilizou as normas restritivas ao capital internacional nos meios de comunicação no Brasil, começa a viabilizar a proximidade das empresas de peso mundial desse setor com as empresas de mídia brasileiras. Nossos maiores grupos de comunicação são de origem familiar e, por uma série de razões ? entre elas seu comprometimento em dólar – enfrentam hoje o desafio de superar-se e, de uma forma ou de outra, passarem a ter algum grau de ligação mais direta com o capital global.
Sobre este setor em especial, posso acrescentar minha experiência pessoal e de minha Editora, por ocasião do projeto no qual estivemos envolvidos, com a revista América Economia. Esta publicação, um veículo pan-regional voltado ao mundo dos negócios e dirigido para o continente de línguas espanhola e portuguesa, chegou ao Brasil em xxxxxx e, através de uma parceria conosco, expandiu-se no mercado nacional. Sua operação tanto na área editorial, quanto comercial, espelha bem um modelo que se integra no que comentamos até aqui. Parte das matérias e reportagens da América Economia era produzida nos diversos países da região.
Esse material original passava pelas mãos de um comando geral centralizado, com sede em Miami, que as selecionava e editava, para que dessa origem partissem as edições destinadas ao público latino e ao mercado de língua portuguesa. Estamos falando, portanto, de uma operação internacional editorial com alto grau de concentração, em que toda a operação é integrada e gerida por um grupo pan-regional.
Algo bastante semelhante ocorria na área comercial, em que parte das verbas publicitárias, cerca de 50%, eram geradas a partir das vendas efetuadas em Miami para todo o Continente latino-americano, e os 50% restantes eram vendidos
nos mercados locais, atividade que cabia a nós aqui no Brasil.
Há, sem dúvida, outros exemplos de conhecimento de todos. Todos eles serão exemplos de que, com a maior integração entre o capital internacional e o capital local, operações com modelos semelhantes a esse ou derivados dele, possam vir a se replicar no Brasil, mais e mais.
A recessão das verbas dos anunciantes atingiu em cheio os veículos de comunicação no Brasil. A internacionalização poderá ser para eles uma saída, mas como estamos falando de um processo lento e de médio prazo, talvez sejam necessárias outras alternativas de negócio, novos formatos de remuneração, novos modelos cooperativos e sinérgicos, em que empresas de mídia impressa e eletrônica possam se complementar e oferecer pacotes diferenciados de comunicação comercial aos seus anunciantes.
Por outro lado, também para os veículos de comunicação uma palavra-chave hoje no vocabulário das empresas em geral, fidelização, deverá cada vez mais estar no dia a dia de suas estratégias. Um consumidor fiel é mais rentável do que novos consumidores. Assim,muitas empresas do setor passam a adotar em suas táticas e ações de mercado, as mesmas técnicas de gestão de relacionamento que os anunciantes tanto têm buscado praticar com seu consumidor final.
Diante desse esforço em busca da rentabilidade e da sobrevivência, muitas empresas deverão buscar associações e fusões e outras, mais frágeis, infelizmente, poderão desaparecer.
Este é, em linhas gerais, o cenário da comunicação comercial no Brasil, nos tempos que correm. Importante destacar que, de todas as formas, estamos hoje e estaremos no futuro diretamente ligados ao mundo, não mais apensas observando-o, mas umbilicalmente ligados a ele.
Isso pode significar que uma parte da prosperidade econômica que se dê lá fora, possa refletir-se positivamente aqui.
Pode significar, por outro lado, que as crises mundiais terão também forte impacto entre nós.
Num cenário mundial cujo pano de fundo segue sendo o de uma crise aguda, os representantes brasileiros dos anunciantes globais acabam sendo fios condutores que nos ligam a cadeia de valor dos negócios mundiais do marketing e da comunicação. Essas empresas acabam, assim, por importar para o país as mesmas normas e orientações restritivas de seus países de origem e, por essa fronteira, a crise do setor de comunicação internacional ganha certificado de nacionalização em nosso país. Por essa porta temos visto passar as normas e práticas da redução das verbas de marketing, um fenômeno tanto indiscutível, quanto preocupante.
Como reflexo imediato dessa transferência de impactos, nossos veículos e nossas agências enfrentam hoje um quadro de instabilidade importante. É de conhecimento de todos que o refluxo das verbas destinadas à comunicação tem causado impactos consideráveis em nosso negócio. Mesmo após terem sido feitos reajustes estruturais, downsizings, e tantas outras medidas de gestão na busca de ajustar os custos dessas empresas as novas realidades, ainda assim, parte delas enfrenta hoje uma redução crítica de rentabilidade.
Poderíamos fazer um exercício de projeção hipotético e imaginarmos o que estaria acontecendo com nosso mercado hoje se nossa interdependência do capital global fosse menor e se tivéssemos leis protecionistas mais poderosas a criar um cinturão de defesa em torno do nosso mercado. Tendo a acreditar que esse seria um exercício bastante difícil de ser executado e de muito pouca viabilidade efetiva no mundo dos negócios que nos é dado hoje.
O nosso setor de comunicação, diferentemente de alguns outros, não mais permite esse tipo de restrição, nem esse tipo de raciocínio. Estamos hoje reféns dessa contingência econômica e será com ela que deveremos lidar de agora em diante.
Se é assim, e no futuro, o que virá?
É para nós bastante difícil prever a partir de hoje e diante desse mosaico de situações interdependentes, o que nos espera. Mas pode-se supor, por exemplo, que o processo de internacionalização dos três setores que compõem a comunicação brasileira deverá continuar e se aprofundar. É de se supor também que os grandes grupos de mídia internacional aumentem sua presença em nosso mercado. E é ainda de se projetar que mesmo os não desejados birôs de mídias, poderosas empresas compradoras e negociadoras dos espaços publicitários, todas de origem internacional e ainda não operantes entre nós, comecem sua atuação no Brasil.
De uma forma geral, uma concentração econômica e operacional, via fusões e aquisições, deverá ocorrer em todos esses setores que citamos aqui, a curto ou médio prazo.
Neste momento de minha participação neste 6o. Congresso, cabe no entanto ressaltar que não estamos aqui fazendo a apologia do internacional. Não estamos defendendo os processos que acabamos de descrever, nem muito menos validando suas práticas. Estamos apenas observando um novo modelo empresarial que vem se instaurando no mundo dos negócios não é de hoje e ao qual, muito possivelmente, teremos todos que nos adaptar.
Nessa linha, é possível supor que também nos mercados da comunicação empresarial e de assessoria de imprensa, representados neste evento, o mesmo venha a ocorrer, dificultando de alguma forma a vida e o desempenho das empresas de menor e médio portes, sem estrutura ou ligação internacional.
O setor aqui representado neste encontro tem suas próprias peculiaridades e características particulares de desenvolvimento, como reflexo da economia local.
Uma delas é exatamente decorrente dos desafios enfrentados pelos grupos de comunicação nacionais, que acabamos de citar. O enxugamento das estruturas, a busca incessante por resultados em tempos adversos, a necessidade imperiosa pelo controle dos recursos e sua melhor gestão têm levado a maior parte das empresas do setor a rever cada item de suas planilhas de custos. Como decorrência, um contingente especializado de profissionais ligados à produção e difusão do conteúdo jornalístico demandado pelas empresas de comunicação e mídia tem sido deslocado para o mercado não corporativo da prestação de serviços, montando suas próprias e enxutas estruturas de pequeno e médio portes. Esse fenômeno mudou em parte o perfil do setor de assessoria e imprensa e relações públicas do país e instaurou um dado concorrencial novo e dinâmico nessa área de negócios.
Outro dado, este de ordem conjuntural, igualmente novo nesse setor diz respeito ao movimento global das instituições empresariais em todo o mundo na busca por uma nova forma de reconhecimento das comunidades onde atuam. Estou aqui me referindo a importância que as companhias em geral têm dado a sua imagem corporativa, não mais apenas através de suas ações de marketing e mídia, mas agora também com uma forte presença das atividades de comunicação empresarial.
O princípio é de que não mais apenas a imagem institucional das empresas precisa ser percebida e reconhecida, mas que as companhias, elas próprias como agentes inclusas no âmbito das sociedades em geral, precisam ter participação mais ativa em prol dos interesses comuns e mais característicos do corpo social.
Não é um fenômeno novo, mas é certamente um valor cultural cujo reconhecimento tem ganhado em relevância no mundo dos negócios nos últimos 5 anos. Fala-se hoje em empresas com personalidade e reputação, em companhias com caráter, como que reproduzindo no âmbito empresarial valores e comportamentos tão próprios do âmbito humano e pessoal.
As empresas desejam ser reconhecidas não mais como entidades apenas, mas como a expressão de um conjunto de códigos que vão para além de suas realizações comerciais e se instauram no universo da ética e do comportamento social mais abrangente.
Ações voltadas ao terceiro setor, o fomento a inclusão digital, o engajamento em práticas e programas sociais como o Fome Zero e tantos outros, compõem um conjunto de oportunidades bastante importantes para o setor da comunicação empresarial.
Tendo a acreditar que esse setor, num contexto como esse que acabamos de descrever, vai ter otimizada e incrementada sua importância estratégica e operacional. Não mais uma atividade chamada a contribuir em projetos genéricos de construção e consolidação de imagem, de resto também importantes, mas agora, de forma mais ativa e direta, chamado igualmente a construir parte do posicionamento estratégico das companhias. É um salto de peso e um novo patamar que só valoriza o setor.
Continua
FONTE: Salles Neto, presidente do Grupo M&M