O governo Lula na arena da comunicação

Um mês de governo Lula, todo mundo fazendo avaliação… Bacana. Tanto que também vou fazer a minha, enfocando o nosso lado. Aqui vão os cinco pontos mais explorados pela mídia nos últimos 30 dias e minha modesta avaliação do desempenho da comunicação do governo neles.



Fome Zero – Derrota fragorosa. A avaliação de Dora Kramer, na sexta-feira, dia 31, mostra isso perfeitamente. A colunista do JB e do Estadão escreveu, algo surpresa, que o programa parecia muito melhor de perto do que de longe. Esta inversão da lógica comum se deveu, creio, ao fato de a equipe da área de comunicação do Governo não ter conseguido uma boa sintonia com o principal formulador do Fome Zero, José Graziano, que, segundo vazou, é uma pessoa muito auto-suficiente (se assim não for, foi mais um problema de comunicação).



É claro que, neste caso específico, o time do Governo teve que enfrentar um ataque por dois flancos: de um lado, do pessoal mais conservador que pretende que a fome não seja diminuída para que os currais eleitorais (principalmente no Norte e Nordeste, mas não só lá) fiquem intocados; de outro da Igreja, que tem como objetivo manter seu poder preponderante no interior do país, impedindo que os protestantes (especialmente os pentecostais) aproveitem o programa para avançar sobre seu rebanho.



Mesmo tendo isso em conta, houve falhas gritantes que levaram a críticas que se mostraram, na maior parte dos casos, infundadas ou apenas exageradas, e que diminuíram de tom simplesmente com a divulgação do Programa. Agora que o Fome Zero entra em fase de execução, a máquina de comunicação deve estar muito mais bem azeitada sob pena dos conservadores, com o fogo de barragem dos canhões da mídia, conseguirem impedir que ele se mostre eficiente.



Reforma da Previdência – Empate. O ministro Berzoini falou muito e antes da hora, suscitando a ira dos mais poderosos dentre os funcionários públicos. Disso se aproveitou a mídia com mais ligações com o capital internacional para implementar sua tática de sempre: atacar o funcionalismo público como um todo usando como munição as exceções da magistratura, do Ministério Público (esse raramente lembrado, como sempre), dos militares e de algumas autarquias.



O governo só não ficou encurralado porque o próprio campo conservador tem fissuras. Assim, veículos menos atrelados aos interesses internacionais acabaram por provocar um debate mais equilibrado e honesto, como no caso do arquiconservador Estado de São Paulo. No fim de duas semanas em que se gerou mais calor do que luz, até os que mais desejam enfraquecer a idéia de serviço público foram forçados a falar, por exemplo, que os "barnabés", além de não contarem com as aposentadorias astronômicas da elite do funcionalismo, não têm FGTS, direito garantido aos também pobres-diabos da empresa privada.



Ao fim e ao cabo, o governo pelo menos mapeou os pontos em que tem mais apoio e quais os núcleos mais fortes de resistência, podendo assim ter um melhor desempenho quando o debate voltar, mais adiante, e também se precaver contra os aliados que pretendem mesmo é um serviço público fraco para que o governo tenha limitada a capacidade de desenvolver políticas públicas que tornem a sociedade brasileira mais justa.



Politica econômica – Vitória. Aqui, ao contrário do Fome Zero, os conservadores, principalmente os mais ligados aos capitais internacionais, se aliaram ao governo Lula e aplaudiram a manutenção da política econômica do governo anterior. O ministro Palocci foi elevado à categoria de guru econômico por ter mantido os ganhos da banca no primeiro mês e ministrado maracujina em doses industriais ao "mercado". Foi concedida voz às correntes discordantes do PT, mas apenas para explorar as chamadas (pela mídia) contradições do PT, mas isso é outro ponto.



Viagens – Outra vitória e bem fácil. Também aqui o governo aproveitou-se da boa vontade da imprensa mais conservadora, apesar de sempre ter um veículo ou outro para chamar de demagógica a visita aos pobres do Piauí, de Recife e de Minas. O périplo por Davos, Alemanha e França foi tratado como coisa de estadista e mesmo a ida a Porto Alegre, para o Fórum Mundial Social acabou recebendo a mesma avaliação, ainda mais que não voou torta na cara do Lula.



Cobertura política – Empate de zero a zero. O pessoal insiste em cobrir política como quem cobre clube de futebol, atento mais ao cansaço muscular de um cabeça de bagre do que às movimentações táticas e técnicas treinadas durante a semana. No futebol não tem muito problema, mas na política é ruim porque as estratégias têm desdobramentos mais sutis e de período maior do que o próximo fim de semana. Isso facilita aos operadores do governo (qualquer um, este inclusive) a só revelar seu jogo todo quase no fim, ficando os coleguinhas (e nosotros, leitores) com caras de marcador do Garrincha.



Contra o governo, mais especificamente esse de Lula, fica a marca de que é um fracionado e inseguro. O primeiro adjetivo é até verdadeiro para  PT (o segundo não). Mas aqui, admito, o pessoal de comunicação governamental não tem muito o que fazer, já que o problema não é do Executivo, mas do partido. Mas realçar esta diferença seria bom para o governo, já que é óbvio para quem tem um pouquinho de tino que ele não é um governo apenas do PT, apesar da hegemonia deste, mas um "construto" político com partes às vezes bem estranhas inseridas nele, e que por isso não pode ser julgado pelos arroubos da bancada mais à esquerda do partido majoritário.



Deboche impresso – Como nos ensina Nilson Lage, em seu clássico "Ideologia e Técnica da Notícia", os ancestrais diretos dos jornais modernos – os "avisi" da Península Itálica e os "zeitungen" que apareceram no território do que hoje é a Alemanha – surgiram entre os séculos XIII e XIV para manter informados aqueles que comerciavam com o que ia pelo mundo. Ou seja, desde o início os jornais tiveram como princípio publicar notícias recentes, as quais nem todos tinham tido acesso. Pois agora, no início do Século XXI, o Brasil dá sua contribuição à história da imprensa mundial inventando um jornal que não publica notícias recentes, mas repete as da edição anterior. O responsável por esta "revolução" histórica no conceito de jornalismo foi Luiz Fernando Levy.



A ironia acima foi a única forma que encontrei para conseguir lidar com o absurdo desrespeito, o ridículo, a pândega, o deboche que foi a edição do dia 30 da Gazeta Mercantil. Repetir as matérias do dia anterior como se fossem novas vai contra todos os cânones básicos do jornalismo. É um atentado ao próprio conceito de jornal, pois um deles pode até deixar de circular devido à greve de jornalistas e/ou gráficos – algo que está nas regras do jogo em países ditos civilizados (em alguns, a greve é até anunciada com antecedência), como está nas regras dos demais negócios – mas não pode circular com notícias velhas passadas adiante como se estivessem sendo editadas pela primeira vez.



Como escrevi no blog, a ação da Gazeta Mercantil era caso para ser investigado pelo Procon, já que houve um flagrante engano ao consumidor. Afinal, quem comprou a GM no dia 30 na banca ou recebeu sua assinatura, tinha adquirido ou contratado um produto com notícias apuradas no dia anterior em todo o jornal, não só na sua primeira página, como ocorreu. Não houve, que eu saiba, ação por parte de algum órgão que deveria defender o consumidor, mas eles não se omitiram sozinhos.



A (in)ação da Associação Nacional dos Jornais foi estarrecedora. Em nenhum momento, a ANJ deu qualquer demonstração de que ligasse a mínima para o fato de um de seus filiados ter atacado a própria base do negócio. Foi como se o fato de a Gazeta Mercantil ter vendido uma mercadoria velha como se fosse nova, iludindo leitores e anunciantes, não fosse da conta da ANJ. Para a entidade, foi como se tivesse sido uma padaria que tivesse vendido pão dormido depois de anunciado pão fresquinho. Nada a ver com jornal.



Agindo assim, sem dar ao respeito nem o próprio negócio, não adianta ir com o pires na mão ao governo chorando por uns anunciozinhos, como aconteceu semana passada. A situação tende é piorar ainda mais. Afinal, desse jeito, até aqueles 30% da população que ainda acredita na imprensa vai desistir de vez.



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FONTE: Comuniquese

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