Questão social e comunicação

O Brasil tem:



1) dois terços dos jovens entre 15 e 17 anos fora do ensino médio;

2) mais da metade das crianças até 6 anos vivendo em residências sem saneamento adequado;



3) quase a metade de toda a riqueza que produz concentrada em 10% de sua população; desigualdade maior, no mundo, apenas em três países africanos: Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia;



4) um índice de mortalidade infantil que não lhe permite estar sequer entre os 100 países de menores índices no mundo, embora seja a décima primeira economia do planeta;



5) um dos piores índices de violência no mundo (dentre 80 países que dispõem de dados confiáveis, apenas 10 têm índices piores que os do Brasil);



6) 14% da população (cerca de 24 milhões de pessoas) vivendo abaixo da linha de pobreza;



7) 54 milhões de pobres.



São necessários pouco mais de 30 segundos ? tempo de leitura das linhas acima ? para se ter uma idéia de quão profundo é o buraco social brasileiro. Os números são apenas alguns dos divulgados à larga pelo IBGE, pela OMS e pelo Unicef, entre outras instituições, e que, de tão conhecidos, trazem o inevitável risco de que se estejam tornando banais ? algo com que a gente se acostuma a conviver até com alguma indiferença.



Sim, porque nada explica a falta de mobilização do país ? mobilização que deveria ser proporcional ao tamanho da encrenca ? para enfrentar esse quadro.



A impressão que se tem é de que boa parte da nação fecha os olhos ao problema, do que se aproveita a desigualdade para fincar cada vez mais fundo as suas raízes.



A eleição do novo governo abre uma janela mais ampla para a questão social, embora sejam inegáveis os avanços obtidos durante os oito anos da gestão FH: 10 milhões de brasileiros resgatados da linha de pobreza, melhora considerável nos índices de mortalidade infantil, crescimento da oferta de educação para as crianças, entre outras ações extremamente meritórias.



O governo que sai, entretanto, cometeu um pecado capital: não comunicou (ou, se o fez, não foi de forma adequada).

E, ao não comunicar, não permitiu que a questão social ocupasse, ainda que somente por um período, a pole-position do seu programa.



Esta foi invariavelmente ocupada pela inflação, pelo câmbio, pelos juros e por esse tal de mercado.



Curiosamente, um dos momentos de mais forte comunicação do governo FH em relação ao social ocorreu após as eleições, como contraponto às idéias e programas que começavam a ser anunciados pelas equipes do PT.



Ao não fazer com que a sociedade tivesse a percepção de que o social era o mais importante, o governo perdeu a chance de mobilizar essa sociedade de forma muito mais intensa; perdeu a chance de fazer com que as ações fossem multiplicadas, amplificadas; perdeu a chance de criar condições para um engajamento sem o qual o desafio social não poderá jamais ser vencido.



Recente pesquisa encomendada pela Firjan aponta que quase dois terços das indústrias do Estado do Rio não realizam ação de responsabilidade social. E, das que realizam, boa parte age sob a ótica de ações filantrópicas convencionais.



O dado alentador da pesquisa é que o conceito e as ações de responsabilidade social são mais consistentes nas grandes empresas, embora, na média geral, mais da metade das empresas pesquisadas tenha ainda o entendimento de que a responsabilidade social se esgota no pagamento de impostos, na geração de empregos e na oferta de um bom produto ao mercado.



Não se deram conta ainda de que esse, na verdade, é o cacife mínimo que lhes permitirá sentar à mesa para iniciar o jogo da responsabilidade social.



O dado adquire relevância pelo fato de o Rio de Janeiro ser um dos estados mais industrializados do país. E os números mostram o quanto se pode avançar na questão da mobilização, na criação de parcerias, na convocação ao engajamento, na ampliação da ação social envolvendo agentes de importância indiscutível, como indústrias e empresas em geral.



Nisto, o governo que assumiu dia 1 sai em vantagem: até o momento, vem sinalizando, comunicando, de forma clara, que o social é o primeiro item de sua agenda. E isto pode fazer a diferença.



A situação social que vivemos é obviamente um problema do governo (ou de governo). Mas não pode ficar restrita a ele. O momento é tão alarmante que não é necessário ser vidente ou muito perspicaz para perceber que, sem o ferrenho comprometimento de toda a sociedade ? governos, empresas, ONGs, voluntários ?, as possibilidades de se reverter essa situação serão muito remotas.



Um rápido exemplo: somente na região metropolitana das duas maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio, são mais de 2 milhões de jovens entre 15 e 24 anos sem o primeiro grau. Que chance pode ter alguém sem o primeiro grau numa região metropolitana hoje em dia? Aliás, em qualquer região.



Imaginemos, então, um baita programa que atenda, com educação, saúde e geração de renda, de forma consistente, cerca de 100 mil desses jovens por ano. Sensacional, não? Por um lado, sim: 400 mil jovens atendidos ao final de quatro anos. Por outro, apenas 20 por cento do problema terá sido atacado ao final desse período. Oitenta por cento estarão à espera de outros programas, e poucos têm sido feitos.



Não é à toa que a criminalidade nas regiões metropolitanas tem concentrado seus índices mais trágicos nos jovens dessa faixa de 15 a 24 anos, com alguns especialistas já prevendo, para breve, déficits populacionais (ausência de homens) semelhantes aos de países em guerra, tamanha a quantidade de jovens brasileiros que anualmente morrem vítimas da violência e da equação que conjuga falta de estudo, falta de emprego e tráfico de drogas. E isso para falar apenas de um dos muitos fenômenos urbanos que temos no Brasil.



Aliás, nos Brasis: pegue os principais indicadores sociais do país e multiplique por dois; teremos então os índices do Nordeste. Os números, no Brasil, são sempre grandes, para o bem ou para o mal; é deles que parte a exigência que determina uma mobilização capaz de aglutinar todas as forças e na qual a comunicação tem um papel imprescindível a desempenhar.



*Albert Alcouloumbre JR é jornalista.


FONTE: O Globo

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