Estranha dependência da propaganda

O XIS DA QUESTÃO ? Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo e uma Secretaria da Comunicação que têm em seus quadros teóricos e profissionais do porte de Bernardo Kucinscky, André Singer, Ricardo Kotscho, Maurício Lara e Armando Medeiros? ? todos jornalistas. Uma coisa me parece evidente: quando se precisa mais da propaganda do que do jornalismo para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, isso se deve à falta de fatos positivos noticiáveis.



1. Estranha tristeza



E o Duda Mendonça, hein?! Descobriu que não está feliz. Para nos dizer isso, e outras coisas bastante engraçadas, ocupou as páginas amarelas da Veja. E a que se deve a infelicidade do vitorioso Duda? Ora, por estar a sua função ?sendo desvirtuada? pela imprensa. E porque não está habituado ?a levar paulada pela imprensa?.



Duda queria o quê? Afinal, e pouco importa se formal ou informalmente, foi publicamente indicado para conselheiro especial do ministro Luiz Gushinken, que vem a ser nada mais nada menos, o ministro que tem a responsabilidade de cuidar da comunicação e das estratégias do governo, para isso dispondo de verbas ?que giram em torno de um bilhão e meio de reais ao ano? – cifra que a Veja enxertou numa das perguntas feitas a Duda, sem contestação.



A indicação para ser conselheiro especial de tão poderoso ministro nada teria demais. Afinal, Duda é um dos mais conceituados profissionais de publicidade e marketing político do país. O diabo é o detalhe de ser ele, também, o dono e principal criador de uma das três agências que vão tomar conta da campanha onde será gasto a dinheirama destinada à propaganda oficial, em operações comandadas pelo ministro do qual o publicitário seria conselheiro.



Claro que todos os envolvidos são pessoas honestas e honradas. De modo particular, tenho as melhores referências sobre o ministro Luiz Gushinken, no que toca às qualidades de caráter. Mas o que está em jogo não é a honestidade nem as qualidades de caráter das pessoas, mas o zelo ético e a prudência política com que as coisas do dinheiro público devem ser tratadas. Por essa perspectiva, trata-se de um despropósito essa assessoria particular de Duda ao ministro que tem a chave do cofre para o qual o publicitário também olha, com apetites legitimados na licitação vencida.



Para um ministério que se diz da Comunicação e das Estratégias do governo, esse convite público a Duda foi imprudência das graúdas. Com pesados danos na imagem da Secom e desnecessária queima de energias.



2. Proximidade inconveniente



Será que, com a entrevista concedida, ou melhor, conseguida na Veja, Duda conseguiu consertar o estrago?

Talvez, porque Duda Mendonça tenta pôr um ponto final à polêmica, saindo do palco político em que, segundo ele, o colocaram na discussão pública. ?Fui contratado a vida inteira para criar soluções. Se viro problema, só tem uma solução, adeus.? Mas, em alguns momentos, a entrevista se torna peça problemática, recheada de afirmações que acabam trazendo de novo à ribalta uma questão que havia sido superada, graças a outros ?descuidos do governo?, em especial os relativos a diárias indevidas recebidas por alguns ministros, devolvidas depois do escândalo gerado pela divulgação dos fatos.



O anúncio da renúncia da agência de Duda à conta do PT, por exemplo, tem potencial para gerar novos incômodos nas hostes governistas. Aliás os gerou de imediato, num momento em que o partido e o governo são instados a elucidar a denúncia de, nas eleições presidenciais, ter sido montado uma ?brigada? de terrorismo moral, para, com a produção e a divulgação de dossiês provavelmente difamadores, semear atritos entre os adversários de Lula.



Para sorte ou azar de Duda Mendonça, o caso veio a público na principal reportagem da edição que publicou a sua entrevista.



Além disso, algumas das declarações são, no mínimo, engraçadas. Por exemplo:



* "Meu trabalho no governo é exclusivamente técnico (…) Minha empresa vai ser consultora do verbo, não da verba. Não tenho nada a ver com dinheiro nem com poder político.? E mais adiante: ?Estou comprometido com este governo, aposto nele e corro os riscos.? Ou seja: a argumentação destrói o argumento principal.

* ?Entrei em todas? (…) e ?vou entrar em todas as concorrências do governo e quero concorrer em pé da igualdade. Quero duas, três, quatro contas do governo: as contas que eu merecer ganhar da concorrência. Durante o governo passado, ganhei três. Por que não posso ganhar agora??



Claro que Duda tem todo o direito de concorrer às licitações onde houver propaganda ou publicidade em jogo. Mas, diante de tal apetite, quanto mais distante o publicitário estiver do gabinete do ministro e das conversinhas de pé de ouvido com o ministro, melhor ? para o governo e para a empresa do próprio Duda.



3. Paixão por Duda ? por quê?



Mas parece que, diante daquilo que nos gabinetes do poder está sendo chamado de ?agenda negativa?, com repercussões nos índices de popularidade do presidente Lula, o governo não se sente seguro longe de Duda Mendonça. Os jornais desta quinta-feira (30/10) dão conta de que o publicitário foi convocado para conversas de emergência. Primeiro almoçou com o ministro Luiz Gushinken; mais tarde, teve uma reunião a portas fechadas com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.



Pode ser que o mentor propagandístico do governo tenha levado um ou outro puxão de orelhas, por ter tornado públicas, e logo pela Veja, queixas que antes poderiam e deveriam ter sido digeridas internamente. Mas, de acordo com os jornais, o objetivo principal das reuniões foi o de encontrar formas de ?reverter a agenda negativa?.



Sabem os estudiosos da comunicação que, quando se precisa da propaganda para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, algo de essencial está faltando. Mas, enveredar por essa questão nos afastariam da questão final do texto, que é a seguinte:



Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo e uma Secretaria da Comunicação que têm em seus quadros especialistas teóricos do porte de Bernardo Kucinscky e André Singer? – ambos com percursos brilhantes tanto na carreira acadêmica quanto na experiência profissional de jornalistas. Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo que tem, em seu ?staff? de comunicação, profissionais com a vivência, o saber e a lucidez de Ricardo Kotcho, Maurício Lara e Armando Medeiros?



Alguma razão muito forte deve existir para tal paixão pelos brilhos de Duda Mendonça. Eu confesso que não atino com ela. Mas uma coisa me parece evidente: quando se precisa mais da propaganda do que do jornalismo para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, isso se deve à falta de fatos positivos noticiáveis.




FONTE: Comuniquese

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