Por Carlos Henrique Carvalho
Crise econômica, transformação radical no modo de fazer comunicação, redução dos fees, novos players no mercado, mais competição. Tudo isso pode ser explicação para que a concorrência entre agências de comunicação se torne mais acirrada. Pelo lado positivo, inovação, investimento em tecnologia e inteligência artificial, diversificação das equipes, a certeza de que se tem um time de alta competência e capacidade técnica inquestionável também são diferenciais competitivos.
De um lado, atributos que levam à deterioração dos preços, já que em um ambiente extremamente fragmentado e juniorizado, essa é a tendência. De outro, o melhor dos mundos. Vantagens que podem elevar a barra da cadeia de valor. Tudo isso é parte do mercado. Demanda x oferta, fases de transição no ambiente de negócios, novas tecnologias eliminando etapas do processo produtivo são fenômenos naturais da dinâmica dos negócios, em qualquer ramo de atividade. Estamos falando de capitalismo, de economia de mercado. Você pode não gostar, porém é nesse contexto que vivemos.
Mas aí entram em cena práticas que atentam contra esses valores. Na cadeia produtiva da comunicação corporativa a contratação de profissionais em regimes informais, como o de pessoa jurídica ou até mesmo sem qualquer tipo de contrato foi a regra geral nas últimas décadas. À margem da legislação, o mercado se sustentou por anos driblando a CLT. Baseado em boas remunerações em dinheiro, o sistema de pejotização parecia ideal para as empresas, que contratavam ótimos profissionais com baixos encargos e altos níveis de remuneração. E para os empregados, pois o dinheiro vivo no final do mês, sem qualquer garantia trabalhista, cumpria sua função imediata.
Mas o mundo está em mudança. A Lei Anticorrupção, promulgada em 2015, as regras nacionais e internacionais de integridade e compliance e a vigilância dos diversos segmentos sociais sobre a corrupção pública e privada e a sonegação tributária fazem um cerco cada vez maior em torno das más práticas de gestão nas organizações.
No mercado de comunicação corporativa dois fatores contribuem para a necessidade de revisão dessas más práticas. A internacionalização crescente das agências, cada vez mais sujeitas às regras internacionais de compliance de grupos como WPP, Omnicom, Interpublic e MSL. E o fato de que as empresas e profissionais do setor lidam com reputação de seus clientes. E, portanto, devem também zelar por sua imagem.
Gostaria de afirmar que o segmento vai bem nessa área. A celetização das equipes, que até poucos anos era ínfima, já ultrapassa 50% da mão de obra empregada no setor. Mas a mini reforma trabalhista de 2017 parece ter jogado uma nuvem de fumaça. Tenho escutado empresários do setor comemorando que agora o contrato de PJ “vale”, em uma interpretação equivocada das mudanças implementadas pela alteração legislativa.
Os relatos sobre concorrências privadas e públicas com preços díspares são cada vez mais frequentes. Empresas com equipes baseadas em contratação por PJ conseguem apresentar preços significativamente mais baixos, impossíveis para agências que cumprem a legislação, penalizadas de partida.
A Abracom, entidade representativa das agências, busca orientar seus associados para que sigam a lei. Conseguiu vitórias significativas para garantir a jornada padrão de 44 horas semanais no setor, dar segurança jurídica aos contratos trabalhistas e divulgar critérios mínimos para a realização de boas concorrências, presentes na campanha 10 passos para uma concorrência legal. A entidade conclama seus associados para que sigam as regras e pratiquem fair play concorrencial. Infelizmente, nem todas as empresas agem dessa forma, mas não desiste de sua jornada.
E os clientes?
Nossa pergunta é: porque empresas dos mais variados portes, dotadas de programas de integridade, e governos, que deveriam zelar pela aplicação da lei, não exigem de seus contratados conformidade fiscal e trabalhista?
Essa é uma questão que a Abracom endereça às áreas de compras das organizações privadas, aos setores de comunicação que demandam os serviços e aos gestores públicos, bem como aos órgãos de controle como TCU, CGU e tribunais estaduais e municipais de contas.
E orienta seus associados a que sempre questionem a forma de contratação que deve reger as relações com os profissionais de atendimento da conta. Muitas vezes, a resposta é de que esse é um problema exclusivamente da agência, o que contraria todas as regras de integridade e de corresponsabilização.
A desigualdade no processo concorrencial gera distorções, lança empresas meramente fornecedoras de mão de obra em um mercado que tem alto valor estratégico e cujos serviços deveriam ser contratados em conformidade com os ditames legais.
Vamos falar sobre fair play concorrencial?
Sobre o autor: Carlos Henrique Carvalho é presidente-executivo da Abracom. Jornalista graduado pela PUC/SP, cursou especialização em gestão de empresas de comunicação na Fundação Dom Cabral. Foi produtor, roteirista e diretor de programas de jornalismo, educação, debates políticos e temas acadêmicos para os canais Sesc/Senac, Record, Gazeta e Cultura. Produziu vídeos para os movimentos sociais da periferia de São Paulo e atuou na equipe de comunicação da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (1989-1992) com ênfase em educação, urbanismo, meio ambiente, diversidade, transporte e planejamento. É co-autor do blog Lombada Quadrada, dedicado a resenhas sobre literatura e a paixão por livros.