Carlos Chaparro (*)
O XIS DA QUESTÃO Em Portugal se discute um desvio ético de jornalistas que, sob a falsa capa de acionistas, assistem a assembléias gerais de um grande banco, para obter e divulgar informações supostamente convenientes aos grupos que os credenciaram, usando como referencial fontes não identificadas. Será que podemos fazer analogias com o jornalismo brasileiro?
1. Um caso cabeludo de instrumentalização
O jornalismo português vive um momento de discussão sobre comportamentos ética e deontologicamente inconvenientes, verdadeiramente inusitados, que caracterizam uma nova modalidade de uso do jornalismo e dos jornalistas para fins que nada têm a ver com informação de interesse público. Mas que têm a ver, e muito, com negócios, investimentos e lucros, no mercado de capitais. O desvio ético envolve interesses de acionistas do BCP – Banco Comercial Português, a mais poderosa instituição bancária do país.
O caso aflorou no noticiário por meio de uma reportagem no diário Público, dia 29 de maio passado. Em texto assinado pelas repórteres Natália Faria e Rosa Soares, revelava-se que um jornalista do Expresso (principal semanário do país) assistira à Assembléia Geral do BCP, com credenciais passadas pela própria empresa jornalística em que trabalhavam. O Expresso havia comprado um lote de ações do banco e, na condição de acionista minoritário, estava interessado em conseguir e usar informações obtidas de forma privilegiada. Para isso colocou jornalistas dos seus próprios quadros na Assembléia Geral do banco, com representação de acionistas.
O caso entrou e ganhou repercussão no espaço da discussão pública graças a um artigo do colunista e ex-provedor de leitores do mesmo Público, no qual ele criticava a aparente facilidade com que jornalistas vestem a “camisa” que circunstancialmente lhes convém, “ignorando a questão de princípios”.
Mas, em vez de regredir, a prática ampliou-se, tendo em vista a realização de mais uma Assembléia Geral do BCP, esta no próximo dia 6 de agosto. Por alguns meios de comunicação da área econômica, soube-se que a Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais passou a comprar ações do BCP para, em seguida, passar procurações aos jornalistas interessados em assistir à assembléia geral do referido banco. E tudo isto coincide com uma estranha proliferação, nos espaços jornalísticos de Economia e Negócios, de declarações de analistas e operadores do mercado de capitais não identificados.
A situação levou o Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas a divulgar, dia 25 de julho, uma Recomendação, em que, depois de detalhar os fatos, considera “ética e deontologicamente reprovável que jornalistas assumam, no exercício profissional, papéis que não são os seus”, lembrando que a regra da obrigatoriedade da identificação como jornalista só pode ter exceções justificadas “por razões de incontestável interesse público” e não é este o caso, ao que parece.
Em sua recomendação, o Conselho de Ética adverte para “o risco de instrumentalização” que tais expedientes podem acarretar “para a credibilidade do jornalismo e dos jornalistas envolvidos”. E concita a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários “a derrubar as barreiras no acesso à informação, em vez de pretender a ajuda de jornalistas para controlar o mercado”.
2. Pontos de preocupação e discussão
Sobre o assunto, conversei hoje, por telefone, com Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Portugal. E ele me manifestou a grande preocupação da entidade com esse caso de outorga de mandatos de acionistas a jornalistas. “Eles se apresentam com a capa de acionistas apenas para, em favor de quem os credenciou, fazer relatos públicos do que se passa nas assembléias gerais de um banco de grande expressão financeira, “.
Alfredo Maia vê no episódio três questões que particularmente o preocupam, e que, em sua opinião, deveriam ser debatidas pela classe e pela própria sociedade:
1) A configuração de uma forma de acesso privilegiado à informação, contrariando o preceito constitucional de garantia de acesso sem discriminações à informação.
2) O comprometimento da independência indispensável ao jornalismo e à sua confiabilidade social. Ao assumir outros papéis que não os seus, os jornalistas abrem mão, também, da sua próprias razão de ser, tornando-se dependentes de interesses que nada têm a ver com os objetivos da profissão nem com as expectativas sociais que a cercam.
3) O sacrifício da virtude da lealdade, própria da dignidade da profissão. Ao se beneficiarem de acessos privilegiados à informação, os jornalistas que aceitam ser usados em tais expedientes traem o dever de lealdade que têm para com os colegas.
Embora ainda seja cedo para avaliar resultados da Recomendação emitida pelo Conselho de Ética do Sindicato, Alfredo Maia acredita que a discussão que já ocorre possa motivar uma tomada de consciência nas redações, por parte tanto dos diretores quanto dos jornalistas, para que sejam repudiadas quaisquer tentativas de instrumentalização que ameacem a confiabilidade da informação jornalística.
******
A partir da revelação deste caso de desvio ético no jornalismo português, e das discussões que o assunto já motiva em Portugal, seria o caso de perguntar:
– Será que temos práticas desse tipo também no Brasil?
– No caso da imprensa brasileira, a abusiva freqüência de informações atribuídas a fontes não identificadas não poderá fazer parte de estratagemas de acesso privilegiado a informações, tendo em vista não o interesse público da informação, mas o favorecimento de empresas, partidos políticos, governantes, e outros que tais, nos jogos do poder e dos negócios?
Pode ser uma bela discussão.
(*) Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da
Fonte: Comunique-se
FONTE: Comunique-se