Analisado apenas sob a ótica da estratégia de comunicação ? e guardadas as devidas proporções ? o recente episódio Lula X Larry Rohter traz muita semelhança com um acontecimento político folclórico ocorrido em São Paulo, nos anos 70. Após reprimir uma passeata de estudantes com uma truculência já famosa, o então secretário de Segurança Pública, Coronel Erasmo Dias, reuniu a imprensa em uma coletiva para anunciar provas concretas da ?inspiração comunista? do movimento.
Naquele dia, os jornalistas nem precisaram perguntar muito, pois o próprio Dias iniciou a entrevista lendo o conteúdo de um extenso panfleto apreendido na dispersão do ato público. Ao vociferar ao vivo para emissoras de rádio e TV, Dias conseguiu amplificar a mensagem da oposição, antes restrita a uma simples passeata, para milhões de brasileiros!
Se durante aquele episódio a falta de uma estratégia de comunicação bem definida prestou um grande serviço ao país, não se pode dizer o mesmo do recente affair com o correspondente do New York Times. Lula e seu time miraram no que viram, mas acertaram no que qualquer consultor de comunicação minimamente preparado teria antevisto. E por isso fica a pergunta: se os marqueteiros de plantão são costumeiramente chamados a opinar sobre diversas iniciativas governamentais, por que o mesmo aconselhamento técnico não é solicitado às consultorias de comunicação, como fazem as empresas?
Por não estar diretamente envolvido no episódio e, também, por ser um prestador de serviços, o consultor de comunicação é o profissional mais qualificado para estabelecer o debate, analisar os fatos com isenção e apresentar diferentes cenários. Os jornalistas e relações públicas que atuam nas boas agências de comunicação são profissionais acostumados a gerenciar crises diariamente, têm independência e olhar político, sem perder o racional de vista. Conseguem fazer parte da solução, justamente porque não fazem parte do problema.
A polêmica do New York Times, quase todos os auxiliares diretos do presidente fizeram um julgamento passional do artigo. Viram conspiração e ofensa, onde os brasileiros — inclusive a oposição, viram desrespeito, gerando uma percepção de solidariedade ao presidente da República. A reação açodada e desequilibrada, todos sabem no que deu.
Caso uma agência de comunicação tivesse sido envolvida para auxiliar na estratégia de gerenciamento da crise causada pela matéria, seus profissionais poderiam ter rapidamente aconselhado o presidente e seus assessores a partir de alguns telefonemas disparados para formadores de opinião, líderes empresariais, políticos, enfim, a sociedade civil organizada. Pela internet, esses mesmos profissionais poderiam ter traçado, em minutos, uma análise dos rumos da cobertura, identificando tendências e cenários. Se uma agência de comunicação tivesse sido envolvida nas conversas iniciais com a diretoria de redação do New York Times, etapas não teriam sido queimadas, nem o jornal precisaria ter radicalizado, com uma reação na mesma medida da pressão feita pelo governo brasileiro.
Um assessor de comunicação mais experiente poderia ter lembrado das recentes mazelas do NYT, que demitiu um de seus repórteres justamente pela contumácia na invenção de matérias. Lula poderia, inclusive, faturar politicamente com o acontecimento, afirmando que até a expulsão do jornalista americano com base no Estatuto dos Estrangeiros lhe recomendaram, mas que sua trajetória política é incompatível com a adoção de instrumentos jurídicos criados pela ditadura militar que ele ajudou a combater.
Felizmente, quem conseguiu transformar uma parte do limão em limonada foi o ministro da Justiça. Por não ter participado da desastrosa decisão, conseguiu fazer uma análise técnica e não emocional. Se existisse tal prêmio, seria dele o meu voto para Homem de Comunicação do Ano!
*Diretor da S2 Comunicação Integrada e presidente da Associação Brasileira das Agências de Comunicação ? Abracom
FONTE: Revista Imprensa