Já escrevi no Diário de Pernambuco, mas o povo do jornal nunca soube disso. Foi há mais de dez anos, quando trabalhava na TV Bandeirantes, aqui em São Paulo. Parece conversa de doido, papo de globalização, ou trabalho de agência de notícias. ?Ué, a Bandeirantes nunca teve agência no segmento impresso…?.
O leitor tem razão. Na época, início de carreira, eu trabalhava no departamento de divulgação da emissora. Escrevia os boletins de programação que eram distribuídos aos jornais e às revistas de todo o País. Por vezes, eram textos que apresentavam algum cult movie. Foi assim que ouvi falar em nomes como Jim Jarmusch, Win Wenders e Percy Adlon, e soube mais sobre Fellini, Bergman, Godargh! (sic) e Buñuel, o meu favorito. Havia também o jornalismo, os shows, o futebol, o basquete NBA e até o Super Bowl, na emissora que se autoproclamava (e era mesmo) ?O Canal do Esporte?.
Certo dia, levei um susto ao ler, no jornal pernambucano, um texto que eu havia escrito no boletim da Bandeirantes. Igualzinho, com cada vírgula, com o meu estilo e, mais importante, com aquele tom de assessoria de imprensa de emissora de televisão. O jornal copiara absolutamente tudo, sem citar a fonte (como ?divulgação?, palavra que aparece como crédito ao lado das fotos cedidas pelas emissoras).
Na época, ainda na faculdade, era como se eu tivesse visto um ET fazendo flexões e polichinelos no Ibirapuera. O Diário de Pernambuco, fundado em 1825, é o mais antigo em circulação na América Latina, embora o precursor tenha sido o Correio Braziliense, editado em Londres, em 1808, por Hipólito José da Costa. Senti-me orgulhosamente vetusto, tanto quanto ludibriado. Cheguei a pensar em indenização, mas logo alguém me disse que aquela prática era ?normal? e que texto de assessoria servia para aquilo mesmo.
Tudo me veio à mente na semana passada, em uma palestra do 7o Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas. O jornalista Paulo Roberto Pereira, carioca simpático que mora em Manaus, disse que a região Norte é o ?eldorado dos assessores de imprensa?: 80% dos releases são publicados, quase sempre na íntegra e em todos os jornais (leia ?7o Congresso em SP: a Globo e a Gazeta de Quixeramobim?).
No que se refere aos interesses dos clientes e dos próprios assessores de comunicação, parece não ser o eldorado, mas o próprio Éden. Nesse mesmo cômodo, o conceito de jornalismo e o próprio espírito da cidadania estão nos braços macilentos do Coisa-Ruim. ?Não se admite um troço desses!?, diria qualquer Zé das Coves, em sua partidinha vespertina de dominó. Inaceitável, mas acontece e é ?normal?, extrapola o Norte-Nordeste, ocorre em todos os quadrantes, nas capitais e, principalmente, no interior.
O que dizer sobre isso? Que falta gente para apurar? Que falta mão-de-obra (ainda) mais barata para reforçar as redações? Que, não raro, o dono é o diretor-comercial-administrativo-e-financeiro-e-também-pauteiro-repórter-editor-e-diretor de redação? Que ninguém debate política editorial? Que simplesmente ninguém se interessa por isso? Que qualquer texto é imediatamente publicável, desde que haja espaço e não contrarie os interesses do veículo? Que é o que temos porque somos pobres? Que somos ricos e não estamos nem aí?
Pode-se dar a resposta que estiver à mão, basta escolher e se contentar com qualquer boa desculpa: com Deus, com o diabo e com a terra do sol e da chuva. Mas de uma coisa estou certo: isso não é jornalismo, é depósito de release.
FONTE: Comuniquese