Essa pergunta tem vários sentidos e já estava lançada antes mesmo de qualquer alternativa viável para o segundo turno das eleições presidenciais.
Primeiro sentido: o tema "construir imagem" durante a campanha presidencial com tantas questões cruciais a serem discutidas e resolvidas, mais parecia uma perda de tempo e ninguém queria se ocupar dele. A preocupação, naquele momento, era tão superficial, que equivalia a soprar poeira ou passar a escova de migalhas sobre a toalha da mesa. Não era tema importante, já que o que estava em discussão era a disputa pelo poder.
Segundo sentido: esse assunto será tratado mais para frente, quando for o momento. Vamos conversar depois sobre isso, quando eu tiver tempo para pensar nas políticas de comunicação e publicidade. (Argh!?)
Terceiro sentido: o Brasil é muito grande, na vai sucumbir diante dessas especulações do dia-a-dia. O Brasil constrói sua imagem por si só. (Argh!? 2x)
Fiquei desapontado. O que mais espantava, no entanto, era a maneira como esses sentidos eram passados e transmitidos. Havia tanta segurança, que tínhamos a impressão de que se tratava mesmo de tema sem importância. Resolvemos, então, não mais discutir esse assunto. Afinal de contas, imagem era mesmo perfumaria naquele momento…..
Agora, Lula e Serra terão que respondê-la sem subterfúgios, terão que assumir posições.
Imagem é coisa séria. Não se constrói como maquiagem que você aplica antes de sair de casa e depois retoca durante o desenrolar da noite. Nem é matéria constituída de palavras, que se manipulam aos desejos e interesses particulares.
Imagem é construída com estrutura, com consistência, com ações e resultados concretos, inquestionáveis. Senão, ela se transforma num castelo de areia, ao sabor do vento e das ondas do mar.
Em todos os anos da democracia brasileira, pós-ditadura, a imagem foi tratada com um profundo descaso técnico. Era como se cada um dos governantes portassem uma flanela nas mãos e sempre que necessário lustravam e eliminavam os efeitos das intempéries do clima. Isso aconteceu com Sarney (menos), com Collor e Itamar (mais) e veio ao ápice do descaso com Fernando Henrique Cardoso. É isso mesmo, por mais estranho que possa parecer, foi no governo FHC que a imagem do Brasil ficou mais vulnerável. Polida e brilhante, mas vulnerável.
Não estamos falando da inflação e da variável econômica, que certamente trouxeram benefícios, porque inverteu o seu sentido inercial e colocou o país numa situação de equilíbrio econômico a fim de preparar as bases para o crescimento. Estamos falando de outra base de sustentação, o equilíbrio social e as vertentes de saúde, educação, trabalho e segurança. Estas sim constroem a base da imagem positiva de qualquer governo.
A questão é que o crescimento prometido não aconteceu e a sustentação social não foi desenvolvida. O projeto de imagem positiva foi tocado da porta para fora, dirigido para a opinião pública internacional, dos grupos de poder e dos interesses globalizantes.
Ainda que FHC tenha sido um governante intelectual e estadista e construído uma imagem cintilante lá fora, o que construiu foi a mais sensível e superficial de todas elas. Sem sustentação interna, sem resultados concretos e palpáveis, sem a consistência do bem estar da população brasileira. Caso contrário, a situação de seu candidato teria sido bem melhor. O trabalho feito na criação da imagem não foi de restauração, mas sim de envernizamento, que tornou a peça bonita, mas vulnerável.
O Brasil não defendeu seus interesses com a mesma consistência que os países europeus, que os Estados Unidos e o Canadá, nem nos igualamos às barreiras comerciais criadas contra nós. Trabalhamos para zerar a inflação e mantê-la próxima disso e para manter um superávit comercial às custas da política de exportação à granel. Enquanto impusemos taxas de exportação para produtos industrializados, as eliminamos para os produtos in natura. Exportamos mais empregos e beneficiamento industrial.
Além de não ter havido sustentação interna, os investimentos em relações públicas também não existiram. Recapitulando o artigo anterior, indagamos que país é esse? Ele poderia ser diferente se fosse dada atenção devida aos princípios de relações públicas, que determinam a condição básica para a construção da imagem positiva. Como pode alguém construir imagem positiva, para si ou para o país, somente com o poder superficial da comunicação, sem aplicar o conceito das relações humanas e da harmonização dos interesses conflitantes.
Queremos saber como o próximo presidente irá construir a imagem do nosso país. Do mesmo modo que o presidente Fernando Henrique não será. Lula não tem o perfil de estadista. Esse papel terá que ser delegado a outra pessoa. Serra se aproxima mais desse perfil, mas não será capaz de repetir no mesmo estilo.
Os próximos anos serão muito diferentes. Acabou a falácia da comunicação, começou a era da sustentação. Não haverá cortesia, nem facilidades internacionais, pois como afirmou o Embaixador Recúpero, "não teremos golpe de Estado, mas podemos ter sim, um golpe de mercado".
Como Sociais Democratas, Serra (pelo partido) e Lula (que abandonou o radicalismo e assumiu um perfil conciliador) terão que construir essa imagem internamente, como se constrói uma sólida base para erguer um alto edifício e, somente depois, projetá-la com a marca de quem tem competência para isso. Tarefa fácil não é, mas terá que ser assim.
Do ponto de vista técnico, quem irá cuidar desse setor no próximo governo? Alguém que tenha como visão encurtar o caminho por vias tecnicistas da comunicação? Alguém que só saiba alcançar a população com veículos de comunicação e pela altivez dos "Porta-Vozes" sofismáticos? Ou alguém com recursos de relações públicas que possa criar a malha de relacionamentos e interações sociais para construir a imagem através do encontro dos anseios, da vontade e dos desejos do próprio povo brasileiro.
Assim como a imagem não pode ser mais da porta para fora, a comunicação do futuro governo não poderá ser mais da boca para fora. Terá que ser construída a partir da essência das atitudes e dos resultados. Por meio de um processo de relacionamento de comunicação e interação social que alcance o resultado desejado pelo Brasil e por toda a sociedade brasileira.
Se eu fosse Serra ou Lula mudaria a estrutura da Comunicação Social do governo. Passaria para um perfil exclusivo de relações públicas, com profissionais habilitados, que certamente cuidariam das relações governamentais com a sociedade brasileira e da nação com o resto do mundo com muito mais propriedade.
Assim como ele deverá pensar nos melhores nomes para a fazenda, planejamento, saúde e economia, terá que pensar numa equipe de profissionais de relações públicas (habilitados) para a comunicação social de seu governo.
Espero que o próximo presidente tenha a sensibilidade para compreender a importância dessa atitude e tome a decisão certa.
(*) Flávio Schmidt é Diretor da Divisão de Comunicação Organizacional da Ketchum Estratégia e Presidente do Conferp ? Conselho Federal de Relações Públicas.